Seis meses em prisão preventiva sem acusação!

Será que se prende para investigar?

O arguido, figura pública de relevo, foi preso preventivamente, tal como outros – seus eventuais cúmplices – em Novembro do ano passado. Os crimes que estavam em causa eram diversos, entre eles os de tráfico de influências e de corrupção. A violação do segredo de justiça foi imediata.

Falou-se de uma tentativa de fazer desaparecer provas de um computador. Houve escutas telefónicas divulgadas nos meios de comunicação social. O recurso da prisão preventiva não teve sucesso, tendo o tribunal confirmado a manutenção da mesma. Meses depois da prisão, ainda se desenrolaram buscas em vários pontos do país. É certo que ao longo do tempo os outros arguidos foram recuperando a liberdade embora sujeitos a medidas de coacção. Mas o principal arguido continua em prisão preventiva, agora a caminho dos 7 meses, sem ter sido deduzida acusação. O caso tem sido, naturalmente, comentado publicamente.

O arguido em causa, como o leitor certamente não se apercebeu, é António Figueiredo, presidente do Instituto dos Registos e do Notariado que foi preso, no âmbito do processo dos vistos gold em 18 de Novembro de 2014, isto é, quatro dias antes do ex-primeiro ministro José Sócrates.

Serve este pequeno exercício para ilustrar a desigualdade no tratamento mediático de questões análogas ou semelhantes em função de agendas não assumidas publicamente e o facto de, conforme a maré mediática, sermos levados a aceitar como normais ou excepcionais determinados factos.

Claro que a importância mediática do ex-primeiro-ministro é muitíssimo maior do que a de António Figueiredo. Claro que as peripécias do “processo Marquês” justificam uma maior atenção dos comentadores. Mas seria conveniente que a crítica não nos roubasse o espírito crítico.

Veja-se o caso de Bernard Madoff que, no nosso país, é sempre dado como um exemplo da celeridade e da qualidade da justiça e investigação policial norte-americana. Ora importa lembrar que durante anos as autoridades tinham investigado as actividades de Madoff sem qualquer êxito. E prenderam-no no dia 11 de Dezembro de 2008 porque os filhos o denunciaram comunicando às autoridades policiais que o pai lhes tinha dito que parte da sua empresa de investimentos era uma imensa burla, um esquema de Ponzi ou, à nossa maneira, uma “gigantesca D. Branca”. E a investigação e o julgamento foram rápidos porque a burla se desmoronou como um castelo de cartas e em 12 de Março de 2009, Madoff se confessou culpado de 11 crimes graves de que era acusado.

Como é evidente, não se pode comparar o tempo que dura um processo quando há colaboração e confissão do arguido ou quando há negação absoluta por parte do arguido quanto aos crimes que lhe são imputados. São duas realidades completamente distintas nos EUA ou em Portugal.

Outra das questões que tem sido agitada perante a opinião pública no processo do ex-primeiro ministro e que convém esclarecer a sua exacta dimensão, é condensada na expressão “Prende-se para investigar em vez de se investigar para prender”.

Claro que a prisão preventiva não deve servir para investigar no sentido de com a prisão se pretender obter a confissão – total ou parcial - do arguido, mas não nos podemos esquecer que a prisão preventiva serve exactamente para investigar quando aquela é determinada pelo risco de perturbação do inquérito que resultaria da liberdade do arguido.

Entretanto, a divulgação de uma gravação de um interrogatório do ex-primeiro-ministro veio trazer novos elementos para o inevitável julgamento na opinião pública que vai decorrendo. Respeitando os estatutos da Ordem dos Advogados, não devo pronunciar-me sobre a matéria substancial do processo mas, enquanto cidadão, houve algo de perturbante na forma como o interrogatório parece ter decorrido. É necessário fazer esta ressalva utilizando o verbo “parecer” porque, como é evidente, as transcrições e resumos que foram publicados não são o próprio interrogatório – transmitem-nos uma mera “parecença” do interrogatório.

Entendo que as relações entre as autoridades e os arguidos, sejam eles quais forem, devem ser de respeito e dignidade. O Estado, através dos seus representantes, não pode ter um tratamento nem de camaradagem nem de desprezo para com aqueles que são suspeitos da prática de crimes. O respeito e a distância são essenciais entre os actores processuais penais para a realização de uma Justiça credível.

Em tempos foi divulgado que José Sócrates era tratado pelas autoridades judiciais nos interrogatórios por Pinto de Sousa, numa clara tentativa de despersonalização de alguém que está privado da liberdade. Era, no mínimo, lamentável.

Desta vez, pareceu-me – sublinho – ver uma proximidade, um tipo de diálogo e uma forma de tratamento demasiado pessoalizada e pouco digna entre os diversos intervenientes no interrogatório, não se percebendo mesmo a quem cabia interrogar e a quem cabia responder. É, no mínimo, perturbante.

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