Fiz o que não devia ter feito

No acometimento de que sofre a pureza das notícias, até os provedores não saem ilesos. Tal como me aconteceu.

1. Numa sociedade complexa, desarticulada, dilacerada pelas suas gritantes contradições, repleta de conflitos pela intensidade das desigualdades marcantes nas diferentes camadas sociais e na constelação das nações que a constituem, é natural que, no campo jornalístico, um tema de superior interesse público para discutir seja a “pureza” das notícias.

Estipuladas nos princípios esquemáticos dos compêndios das boas regras de uma “notícia pura” em que para bem a construir importa responder às variáveis constitutivas do famoso lead — o quê, quem, quando, onde, como, porquê —, apetece-me dizer que, hoje, vitimadas pelo assolamento das condições em que são fabricadas, cada vez é menos viável a pureza das notícias. Eu sei, e até os provedores estão cá para isso, da existência e do apelo constante aos cânones regidos pela ética e a firmeza deontológica para que, no recurso directo às fontes e à observância do contraditório informativo, sejam usados como processos constituintes para proteger essa pureza. Mas a verdade é que, no contexto de toda esta súmula doutrinária para proteger a notícia, essa matéria-prima, que faz girar o mundo e a indústria da informação, quando ao longo de um dia, leio e ouço, todo esse vasto caleidoscópio das notícias sobre o mundo, o meu país ou o meu bairro, há na minha cabeça a repercussão do eco dessas palavras de António Gamoneda (1977): li, “escutei (as notícias) até que a verdade deixou de existir no espaço e no meu espírito, e não pude resistir à perfeição do silêncio”.

E neste acometimento de que sofre a pureza das notícias, até os provedores não saem ilesos. Tal como me aconteceu.

2. Escreve-me o leitor Luís Maia, um dos autores do novo programa de Português para o Ensino Secundário: “Sou responsável por um jornal escolar que obteve alguns prémios no Concurso Nacional de Jornais Escolares organizado pelo PÚBLICO, e este jornal tem sido uma das referências que nos têm ajudado. Tal torna, no entanto, maior o meu espanto com algo que li na edição do passado dia 6: acerca da maior ou menor inclusão de textos de Sophia nos vossos artigos sobre a trasladação da poeta, termina o estimado provedor com este período:

'Por ironia e incongruência de políticas públicas, diziam anteontem algumas notícias que, afinal, a obra de Sophia, por agora, não faz parte dos programas escolares...'

Como um dos autores do novo Programa de Português para o Ensino Secundário, é natural que me tenha chamado a atenção o que é dito. Mas não é nessa condição que lhe escrevo. A resposta adequada ao que tem sido dito terá, julgo que em breve, lugar neste jornal, pela mão da coordenadora da equipa. Não sei se a ironia e a incongruência referidas estão presentes em 'algumas notícias' ou se são a opinião do provedor. O que sei é que há fundamentos do jornalismo que julgo essenciais e que não foram acautelados, como seja o direito ao contraditório ou o ir pesquisar da veracidade do que se afirma. Lamentavelmente, nada disso foi feito e o que escreveu mais não serve do que veículo de transmissão do que se poderia chamar um mau jornalismo, por preguiçoso. Se leu e/ou ouviu tais notícias, sabe a que me refiro, e não é desta forma que eu quero que os alunos que comigo trabalham no jornal da escola vejam o jornalismo. Quanto à questão da presença da obra de Sophia nos manuais, apenas lhe pedia, agradecidamente, dois leves trabalhos: que leia a resposta antes referida e que folheie (ou veja na Internet) os programas de Português dos ensinos básico e secundário: descobrirá, certamente, que é a autora mais representada da literatura portuguesa.”

3. Entrei em contacto com o leitor a exprimir o meu “lamento de ter embarcado nas notícias, sem fundamento”, segundo o testemunho de Luís Maia, co-autor dos ditos programas. Reconheci “ter caído num mau exemplo, como provedor.” E conforme lhe prometi publicamente, venho rectificar o incongruente erro. Não consultei os programas na Net, nem ouvi os autores dos programas visados.

Contudo, tal situação, sem constituir uma tentativa de justificação pela minha falha, deu origem às reflexões com que principiei esta crónica. Efectivamente, ouvi e li em declarações da presidente da Associação dos Professores de Português, Edviges Ferreira, de que “a obra de Sophia desaparece totalmente das aulas de português do ensino secundário com a revisão dos programas que entram em vigor no ano lectivo de 2015/2016". Estas palavras, aliás, estão reproduzidas na Net. Não servem, é verdade, para deixar de me penitenciar pelo erro cometido. Mas este contexto de notícias serve, isso sim, para compreender a dificuldade com que se deparam, hoje, em muitos casos, os jornalistas na construção das notícias. Tome-se por exemplo a difícil missão para jornalistas de construir notícias sobre a actual crise do Grupo Espírito Santo, no enquadramento da qual responsáveis políticos e da banca ou do mundo financeiro procuram, desesperadamente, separar o contágio da catástrofe do Grupo ao Banco. Ouvem-se as fontes, ouvem-se informadores qualificados, confrontam-se as vozes do contraditório, mas construir uma “notícia pura”, no sentido da sua integridade, da aproximada correcção dos factos e da situação, continua inacessível para a sua transmissão ao grande público. E, no caso, seria um prestimoso serviço para o bem do país. Há muito boa gente que não quer, renega, odeia, “notícias puras”.

 

DO CORREIO LEITORES /PROVEDOR

Ufa! Foi-se o Mundial

Escrevem alguns leitores esperançados de que depois desta “avalanche” informativa em que todos os media despejavam horas a fio notícias e não-notícias a propósito de tudo e de nada sobre o Campeonato do Mundo de futebol, se recobre agora uma outra ordem informativa, graduada numa agenda mais consentânea com os problemas e as reais situações do país.

Comentário do provedor:

Penso que assim acontecerá. Quanto aos outros comentários que me pedem para fazer, em especial sobre as televisões, está fora das minhas atribuições. Sou provedor do Leitor do PÚBLICO. É certo que este jornal deu grande destaque ao acontecimento. Mas não me parece, sinceramente, que ultrapassasse os limites da grandeza informativa que tem na opinião pública um Mundial de futebol. Por outro lado, esse Mundial realizava-se no Brasil e, como os leitores já devem ter reparado, o PÚBLICO, por via da edição digital, faz uma grande aposta da sua expansão nesse país.

«Escolas municipalizadas»

Do conteúdo dos artigos publicados a 4 e 5 de Julho de 2014, a propósito da vontade do Ministério da Educação em querer “escolas municipalizadas” já no ano lectivo 2014/2015, surgiram algumas dúvidas por parte de alguns leitores sobre as tabelas salariais referenciadas. Contactada a jornalista Natália Faria, autora dos dois textos, aqui fica um esclarecimento prestado pela jornalista:

“Os 25 mil euros surgem no documento oficial que o Ministério da Educação e Ciência (MEC) tem negociado com as autarquias como o referencial do valor docente para os professores enquadrados pelo índice 151, aplicável aos contratados em período probatório. É pois o próprio MEC a entidade que, a partir daquele valor, calcula que cada município receberá 12.500 euros, ou seja, 50% do referido valor de referência, por cada professor que subtraia ao número de docentes tidos como necessários ao sistema.

Na sequência do alerta do leitor do PÚBLICO – que agradecemos – consultámos as tabelas salariais e também questionámos representantes de sindicatos e de direcções de escolas, os quais não tinham dado pelo desvio, admitindo, porém, que os 25 mil euros apontados pelo MEC sejam o valor médio do custo dos professores. Questionado pelo PÚBLICO, o MEC não adiantou quaisquer esclarecimentos sobre esta matéria.”

Cinema fora do circuito comercial.

"Escrevo-lhe para lhe pedir que tente fazer incluir nas páginas de cinema do PÚBLICO (Porto) a 'agenda de cinema independente'. (...) Felizmente, agora há mais filmes a passar e em 'circuito alternativo' (Casa das Artes, Passos Manuel, Teatro Campo Alegre, etc.) e o PÚBLICO tem, obviamente, de dar conta dessa agenda."

 

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