As contas da Saúde

O Ministério da Saúde gastou menos recursos públicos, mas retirou mais dinheiro às famílias.

Em meados de Setembro, o INE tornou públicas as contas da Saúde, sob a forma de conta-satélite, de publicação trimestral, com os dados mais recentes ainda provisórios. Esta publicação regista a evolução das prioridades de financiamento e despesa, públicos e privados, permitindo avaliar a política de saúde prosseguida. Ela confirma o definhamento do modelo público do sistema de saúde definido na Constituição.

A despesa corrente total em saúde, pública e privada que havia subido, em termos nominais, de 9,4% a 9,8% do PIB, entre 2007 e 2010, baixou sempre a partir de então, para 9,5% em 2011, 9,2% em 2012 e 8,9% em 2013. Apesar de o denominador, o PIB nominal, ter baixado 2,1% em 2011, 3,6% em 2012 e ter registado uma pequena subida de 0,9% em 2013. Ou seja, nos anos de 2011 e 2012, a redução real do compromisso público com a saúde foi ainda mais acentuada que o atrás registado.

A que se deveu esta redução? A menor despesa pública ou a menos gastos das famílias? Claramente, a primeira explicação predomina: nos quatro anos que decorreram, entre 2010 e 2013, a despesa corrente em saúde não só baixou mais que o PIB, com a parte pública a descer de 70% para 66% no total da despesa corrente, enquanto a contribuição privada aumentou, ainda que moderadamente, de 24,8% para 28,6. Em quatro anos, entre 2010 e 2013, a despesa corrente pública em saúde, em termos nominais, perdeu 18,3 pontos da sua importância; a despesa corrente privada baixou também, mas apenas 1,6 pontos percentuais.

No que respeita à divisão da despesa por agente financiador, o SNS continua a dominar, mas diminui de 59,5% em 2010, para 57,9% em 2013. A despesa privada das famílias, pelo contrário, aumentou de 24,8% para 28%, atingindo 32%, se incluirmos seguros privados (que aumentam a sua importância de 3% para 3,5%), subsistemas de saúde privados, fundos de Segurança Social e deduções à colecta.

A despesa corrente do SNS, em termos nominais, baixou em 2011 e 2012, 8,7% e 7,9%, respectivamente, reflectindo uma redução de 7,9% e 9,1% da despesa em hospitais públicos, de 11,4% e 14,1% em ambulatório e ainda de 19,1% e 11,6% em farmácias.

Se a análise partir do ano de 2007, a despesa corrente em saúde, na sua componente pública, reduziu-se em quase cinco pontos percentuais do total da despesa corrente em saúde. O financiamento pelo SNS, apesar de ter diminuído em termos nominais, como a redução do total foi maior, manteve a sua posição relativa no conjunto da despesa corrente em saúde, isto é, à volta de 58%. O total da despesa privada das famílias subiu de 27% para quase 32%.

O destino destes recursos foi o seguinte: na parte a cargo do SNS, os hospitais públicos consumiram, em seis anos, apenas mais 12% do que consumiram em 2007. O ambulatório reduziu o seu consumo em 4%, e as farmácias em 5%. Ou seja, o sector público prestador teve um comportamento de elevado mérito, pelo prisma da contenção da despesa, provavelmente à custa de perda de atributos.

Na parte a cargo das famílias, os hospitais privados consumiram mais 50% entre 2007 e 2012, e a clínica privada e meios complementares de diagnóstico privados, mais 18%. Hospitais e ambulatório público retiraram às famílias mais 31% e 37%, devido ao aumento e rigorosa cobrança de taxas moderadoras. Em compensação, nas farmácias, tal como aconteceu com o SNS, as famílias gastaram menos 8% nesses seis anos.

Em resumo, não é possível culpar a Saúde, em especial o SNS, de não ter colaborado no ajustamento financeiro. O Ministério da Saúde gastou menos recursos públicos, mas retirou mais dinheiro às famílias. Uma política de redução de preços nos medicamentos e meios de diagnóstico serviu de compensação. Redução de tabelas de prestadores convencionados, restrições no transporte de doentes, suborçamentação de hospitais e ambulatório contribuíram largamente para a contenção da despesa pública. Reduções de recursos tiveram, certamente, consequências na efectividade, eficiência, equidade, qualidade e produtividade no sector público prestador, aumentando a importância relativa do sector privado hospitalar e de ambulatório. Importaria analisá-las.

Artigo Lua

O multiplicador de Juncker

Esta semana, Juncker anuncia o pacote de 300 mil milhões de euros de investimentos adicionais para os próximos três anos. A nova agenda económica equivale a 0,8% do PIB da União. 220 mil milhões destinam-se a infra-estruturas energéticas, transportes e digital e 80 mil milhões às PME. A Comissão aposta em baixo investimento público e na forte alavancagem do investimento privado. O novo Fundo Europeu para Investimentos Estratégicos parte de 16 mil milhões de euros do orçamento da União, dados como garantia, e cinco mil milhões do BEI com capacidade que se espera mobilize os restantes capitais. O efeito multiplicador esperado é de um por cada 15, até atingir os 300 mil milhões. Os investidores privados são determinantes. Sem confiança, com expectativas económicas revistas em baixa, com o falhanço das negociações do orçamento da União para 2015, o multiplicador corre o risco de ser irreal. É muito superior ao de anteriores co-investimentos, por exemplo, na compra de dívida soberana (2011) o factor foi um para cinco, quando se procedeu ao aumento da capacidade financeira do BEI para 60 mil milhões de euros (2012) foi um para seis. A nova agenda económica exige volume e liquidez imediata. A flexibilidade é necessária para que o garrote das regras orçamentais não asfixie. Mas o contexto é deprimente: a política monetária parece esgotada, a taxa de juro baixa, a tender para o zero; medidas não convencionais do BCE são insuficientes. Os socialistas europeus apresentaram outra solução. Um plano de investimento para 2015-2020, financiado por um fundo — Instrumento Europeu de Investimento — com cem mil milhões de euros, reunido pelos Estados-membros e excluídos do défice e da dívida, com capacidade para mobilizar até 800 mil milhões. Os multiplicadores são mais prudentes, variam entre um para 1,25 e um para quatro. Retirar a Europa da estagnação, do desemprego elevado, da deflação, do empobrecimento é urgente. O plano Juncker depende do compromisso, mas não pode ser um cheque em branco. João Ferreira da Cruz, economista

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