Armando Sevinate Pinto: um hino à vida

O Armando era um seduzido sedutor. Seduzido pela vida, que vivia com uma alegria transbordante gozando momento a momento, deixando, divertido, que ela corresse e o surpreendesse.

Conheci o Armando Sevinate Pinto quando coincidimos em Bruxelas, nos finais dos anos 1980, ele director-geral da Comissão da então CEE, eu na Representação Permanente de Portugal. Dávamo-nos com bastante frequência em animadas e divertidas jantaradas de um grupo alargado de amigos, por vezes com desgarradas hilariantes de anedotas, de que eu na altura me lembrava, algumas embora sem nunca igualar o seu infindável repertório. Mas não tínhamos tido ocasião de ter conversa mais aprofundadas para além de uma ou outra alegre picardia sobre a política, a Europa, a carreira diplomática, as coisa de que gostávamos e desgostávamos.

Em 1990, estava eu em Lisboa encarregado da organização da primeira presidência portuguesa da CEE, e o Armando participava na reunião informal do Conselho da Agricultura, que decorria no Vidago e cujo ponto culminante foi uma viagem num comboio especial da CP que ali nos veio buscar e nos levou até à Régua, para irmos depois almoçar ao Pinhão, numa empresa produtora de vinho do Porto.

O grupo de participantes no Conselho não andava longe dos 200. As delegações dos doze Estados-membros, o comissário e a sua comitiva, os representantes do Secretariado Geral do Conselho. Naquele percurso matutino do Vidago até à Régua, além de uma variedade generosa de enchidos e outros produtos, consta que se beberam mais de 200 garrafas de vinho...

Mas o Armando e eu não bebemos nada. Sentámo-nos um ao lado do outro numa carruagem normal, bebendo antes a paisagem sublime do Douro, que eu conhecia embasbacado pela primeira vez. E fomos conversando simples e descontraidamente sobre tudo e sobre nada. A conversa enveredou por vezes por coisas da vida mais significativas. Quando chegámos à Régua, eu tinha a consciência clara de que tinha aprofundado o conhecimento de um ser excepcional, um amigo que ia para sempre enriquecer a minha vida. Assim foi.

À sua competência profissional e visão do futuro do Portugal que tanto amava e para o qual tanto contribuiu já o país prestou a devida homenagem. É da sua fantástica dimensão humana que aqui venho falar.

Sublinho desde logo a sua integridade, férrea era como um dado adquirido, estava ali à vista e era óbvio que nunca abriria brechas. Se isso já não é pouco, o que o distinguia ainda mais era o equilíbrio da sua inteligência, da sua afectividade, do seu humor alegre, por vezes zombeteiro e malicioso, mas nunca maldoso.

O Armando era um seduzido sedutor. Seduzido pela vida, que vivia com uma alegria transbordante gozando momento a momento, deixando, divertido, que ela corresse e o surpreendesse. E seduzia para a vida os outros, não como um predador à procura da presa, mas para partilhar essa intensa alegria de viver cada momento. Estar com o Armando era uma festa permanente e sempre surpreendente. O modo como se entregava aos outros, como comunicava e ouvia, o humor alegre e divertido, o afecto como que palpável que o rodeava era inigualável. O Armando é um hino à vida. É difícil compreender o que é que a vida vai fazer sem ele. Seguramente continuará como uma terna presença na vida da Tareca e da família. E aqueles que tiveram a imensa sorte de ser seus amigos continuarão sempre a sorrir ao recordar aquele sorriso traquina e amigo que nos envolvia. 

Embaixador reformado

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