A verdade dos factos

Será que o secretário de Estado adjunto do ministro da Saúde ainda não percebeu porque é que cada português não tem ainda um médico de família?

O artigo do secretário de Estado adjunto do ministro da Saúde (SEAMS), publicado no jornal Público em 11 de Junho, intitulado “opiniões e percepções” em Saúde, legitima uma resposta com base na verdade dos factos.

Independentemente das percepções e opiniões divulgadas recentemente, com base em estudos ou inquéritos de reconhecido mérito, que de resto traduzem o sentir da sociedade civil que diariamente utiliza ou trabalha no SNS, o que é que leva o SEAMS a mais uma vez tentar desacreditar os resultados e as evidências justificando o injustificável. Senão vejamos:

1. Entre 2010 e Maio de 2015 aposentaram-se 3031 médicos a nível nacional.

2. Na região norte, entre Janeiro de 2011 e Maio de 2015, aposentaram-se 401 especialistas em Medicina Geral e Familiar (MGF), dos quais 370 (92,27%) de forma antecipada (54,6% tinha entre 55 e 60 anos e 41,1% entre 61 e 65 anos).

3. Na região norte, entre 2012 e 2014 emigraram 232 médicos (119 em 2014). Os especialistas que mais optaram pela emigração eram de MGF. A principal razão que levou os médicos a emigrar foi a procura de melhores condições de trabalho.

4. Dados publicados em 2011 pela OCDE/Federação Europeia de Médicos Assalariados mostram que Portugal é um dos países da Europa em que os médicos têm salários mais baixos (apenas Grécia, República Checa, Polónia, Hungria, Roménia e Bulgária ficam atrás de nós).

5. A despesa pública com a Saúde (orçamento de Estado) representa 5,9% do PIB. Entre os parceiros europeus, apenas Hungria, Polónia e Estónia investem proporcionalmente menos dinheiro público nos cuidados de saúde.

O investimento feito directamente pelos doentes na saúde representava 27% da despesa total registada em 2014. Um valor que coloca Portugal como o sexto país da OCDE que mais despesa individual exige à sua população.

Entre 2012 e 2014, a contracção do orçamento público para a Saúde foi superior a dois mil milhões de euros.

6. Entre 2011 e 2013 (PORDATA) já saíram da função pública cerca de 250.000 pessoas e já emigraram cerca de 350.000!

Neste cenário, não é difícil imaginar os pequenos milagres diários que as instituições e os profissionais estão obrigados a realizar para manter um nível de resposta aceitável às populações.

O que mudou então para que desde 2011 tantos médicos tenham decidido aposentar-se antecipadamente mesmo com grandes penalizações pessoais? Ou para que a taxa de emigração tenha aumentado de forma exponencial?

A resposta não é difícil e ajuda a entender as “opiniões e percepções” que parecem ter “irritado” o SEAMS.

A desqualificação e a forma indecorosa como muitos médicos têm sido tratados pela tutela, o degradar das condições de trabalho, o aumento da pressão na relação médico-doente traduzido em tempos de consulta inaceitáveis, os sucessivos cortes salariais, a imposição de sistemas informáticos disfuncionais, o aumento dos casos de violência contra profissionais de saúde, a opressão insustentável e o clima de “medo e censura” instalado, as constantes transformações legislativas no que respeita ao acesso à aposentação e o incumprimento na aplicação prática das carreiras médicas, ajudam a explicar a maioria daquelas decisões.

Serão precisas mais explicações ou estudos para entender porque é que a nossa percepção (com base na verdade dos factos) é diferente da percepção do SEAMS?

Será que ainda não percebeu porque é que cada português não tem ainda um médico de família?

Presidente do Conselho Regional do Norte da Ordem dos Médicos

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