Um discurso de John Major em Berlim

A União Europeia está inadvertidamente a retirar da política normal a rivalidade acerca da maior ou menor centralização.

Na passada quinta-feira, o ex-primeiro-ministro britânico (Sir) John Major falou em Berlim a convite da Fundação Konrad Adenauer. A propósito dos 25 anos da queda do Muro de Berlim, o discurso foi sobretudo sobre o futuro da União Europeia e sobre o lugar do Reino Unido nesse futuro.

O evento não terá tido grande impacto mediático, embora o discurso integral possa ser lido no Telegraph de Londres. Mas trata-se de um evento muito significativo — e, a meu ver, profundamente esperançoso. Antes de mais, por ter sido um convite alemão. Depois por John Major ter sido sempre pró-europeu. Finalmente, por este ter de certa forma proposto à Alemanha que compreenda as vantagens — não só para o Reino Unido, mas para toda a Europa — de introduzir mais flexibilidade na estrutura da União Europeia.

“Permitam-me que apresente as minhas próprias convicções logo de início”, disse Major ao abrir o seu discurso. “Não tenho sombra de dúvida de que o Reino Unido está melhor dentro da União Europeia como membro activo. E trabalharei duramente para conseguir esse objectivo. Sei que, durante os 40 anos em que temos sido membros, nunca fomos parceiros confortáveis. No nosso país, sempre houve uma minoria infeliz com o nosso lugar na Europa e empenhada em persuadir-nos a sair.

“À medida que a UE se deslocou da cooperação económica para a cooperação política, essa minoria cresceu. Atingiu agora massa crítica em Inglaterra, que tem 85% da população do Reino Unido, e, pela primeira vez, existe agora a séria possibilidade de o nosso eleitorado votar pela saída da UE. Considero que essa possibilidade está muito próxima dos 50%. Mas, se as negociações entre o RU e a UE correrem mal, essa possibilidade aumentará. Simultaneamente, se houver reformas genuínas (na UE), essa possibilidade diminuirá.

“Peço aos nossos parceiros europeus que tomem consciência de que estamos à beira de uma ruptura que não é do interesse de ninguém. A frustração britânica não é um jogo. Não é uma conspiração política para ganhar vantagens e concessões dos nossos parceiros. Há um risco real de separação que seria danosa para o RU — e para a Europa no seu conjunto. Esta é a razão pela qual apreciei tanto o vosso convite para falar aqui esta noite. Não conheço melhor plataforma para soar o sinal de alarme de que o RU e a UE estão em risco de se separarem: e de que, se isso acontecer, o resultado diminuir-nos-á a ambos.”

Julgo que todos os europeístas deveriam prestar atenção a este discurso de John Major. Num artigo recentemente publicado pelo Journal of Democracy, em Washington,  (October 2014, Volume 25, Number 4, pags. 88-95) apresentei um argumento muito semelhante, também ele inteiramente dirigido aos europeístas, não aos eurocépticos. O ponto central era também o de que toda a União Europeia, e em particular a Alemanha, devem encarar as reivindicações britânicas como uma oportunidade para introduzir maior flexibilidade na União. E que só essa flexibilidade permitirá manter e reforçar a unidade europeia.

Baseei esse argumento nos alertas apresentados há 25 anos por Ralf Dahrendorf sobre a transição para a democracia nos países ex-comunistas, após a queda do Muro de Berlim. No seu livro Reflexões sobre a Revolução na Europa (Gradiva, 1991) Dahrendorf sublinhou a distinção entre política constitucional e política normal. A primeira diz respeito ao quadro de regras do jogo que permite e protege a concorrência entre propostas políticas particulares. Esta concorrência faz parte da política normal, onde diferentes partidos e propostas políticas rivalizam pacificamente no interior do quadro constitucional.

É não só errado mas sobretudo perigoso transferir para o nível constitucional matérias que dizem respeito á política normal. Privatizar ou nacionalizar um sector económico particular, aumentar ou diminuir a despesa pública, centralizar ou descentralizar, são exemplos de política normal — onde é normal existirem propostas rivais. Umas vezes as eleições são ganhas por umas dessas propostas, da próxima vez podem ganhar outras.

A União Europeia está inadvertidamente a retirar da política normal a rivalidade acerca da maior ou menor centralização. Quando as três maiores famílias partidárias — Populares, Socialistas e Liberais — identificam a causa da UE com o dogma de “Mais Europa”, ou maior integração supranacional o resultado fica à vista: partidos extremistas exploram o vazio da política normal e usam a causa da descentralização para promover as suas plataformas extremistas, muitas vezes racistas.

Esta é a razão pela qual o mal-estar britânico deve ser usado pela UE para “desconstitucionalizar” o dogma de “Mais Europa”. Isso significa aceitar propostas de menos poderes para Bruxelas sem as empurrar para uma posição contrária à União Europeia.

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