Resultados ainda a quente

As sondagens nem sempre falham, como é tão badalado por aí. E a abstenção deveria ser um fenómeno mais trabalhado, estatística e qualitativamente.

Sei que vou falar do que já é passado, mas estou convencida que só se poderá trabalhar melhor no futuro, aqui tão próximo, se se reflectir mais cuidadosamente sobre o que aconteceu a 4 de Outubro.

Não nos podemos queixar de grandes surpresas nestas eleições – pois não havia sondagens diárias a dizer como iria ser a relação PaF e Partido Socialista? E essa relação foi confirmada no acto eleitoral.

A prever que a CDU iria pelo menos manter o seu eleitorado em termos de número de votantes? E eles aí estão, firmes e seguros, até ligeiramente acrescidos face a 2011.

Sim, bem sei que não foi previsto o resultado do BE a 100%. Mas havia ainda um número de indecisos que poderiam cair para o lado de quem soubesse melhor criar empatia com os eleitores – e desde o início da campanha, ou mesmo antes, estava-se a ver que havia alguém a demonstrar capacidade para o fazer. E conseguiu. E aí está: Catarina Martins, uma personalidade feminina com forte capacidade de empatia humana, e o Bloco de Esquerda.

Sem dúvida que Jerónimo de Sousa também beneficia dessa empatia humana com o eleitorado – mas é sobretudo com o seu eleitorado habitual. Jerónimo de Sousa não parece muito preocupado em curar de se dirigir às novas expectativas que uma austeridade perceptivamente, e concretamente, excessiva tem vindo a gerar em segmentos que, potencialmente, lhe seriam próximos.

O caso da coligação e o do PS podem ter sido, em grande parte, causados pela abstenção – que, imprevisível como sempre através de sondagens, e até pelas realizadas à boca das urnas (veja-se em particular a projecção da Católica) veio certamente estragar as contas destas duas forças políticas. E ela, a abstenção, não regrediu, como a princípio se pensou. Pelo contrário aumentou, numa espécie de espiral em crescendo de que falei em anteriores artigos. Isto, apesar dos inúmeros apelos ao voto por candidatos, por políticos responsáveis e pelo Presidente da República.

Por que ganhou a coligação – mas perdendo centenas de milhares de votos? Só o PSD sozinho tinha tido em 2011 mais votantes do que a coligação agora. Ganhou porque jogou mais com os receios das pessoas do que com as suas expectativas. E também porque teve em seu benefício o aparecimento de alguns indicadores económicos cuja fragilidade não era perceptível numa primeira leitura – os estrategas da sua campanha devem ter estudado bem o caso recente do Reino Unido. Mas perdeu eleitores porque houve muita gente com a vida destruída sem remédio e muitos segmentos populacionais afectados, que nunca os perdoarão e que se terão abstido. Excessiva austeridade tem destes efeitos.

E porque perdeu o PS, embora tendo recuperado em número de eleitores (mas não igualando 2009)? Porque se preocupou em explicar as minudências, porventura demasiado técnicas, das suas intenções programáticas e descurou a criação de empatia com potenciais eleitores destroçados, ou simplesmente desiludidos, com a austeridade. Porque não se preocupou em desmontar as fragilidades dos indicadores económicos erguidos em bandeiras de sucesso pela coligação. Será que os seus responsáveis vêem a série Borgen? Para entenderem melhor como um político em estádio de queda pode dar a chamada “volta ao texto”.

Há dois ensinamentos essenciais que penso poderem/deverem ser retirados destas eleições:

Primeiro, que as sondagens nem sempre falham, como é tão badalado por aí. Mas talvez seja importante fazê-las num modelo mais repetitivo, ainda que na base de amostras menores. É uma “americanice”, já sei. Mas não são os americanos os pioneiros em métodos mais avançados nesta área, de uma forma geral?

Segundo, que a abstenção deveria ser um fenómeno mais trabalhado, estatística e qualitativamente, porventura em correlação até com votações em partidos em determinadas zonas.

Porquanto me parece que a abstenção revelará em grande parte, um certo défice de cidadania. Défice que no caso português se explicará, sobretudo, por dois factores: pela existência de anos a viver sob uma ditadura que privou os segmentos mais velhos de uma importante cultura política. E é bom não esquecer que Portugal tem uma das maiores populações acima dos 65 anos.

E pelas práticas negativas que tanto têm marcado as acções dos políticos na democracia pós 25 de Abril que, se não têm contribuído para a destruição do conceito já por demais assumido como dado adquirido, têm pelo menos servido para cavar um reconhecido fosso entre cidadãos e política.

Os portugueses têm o hábito de protestar, protestar, mas fazem-no muitas vezes apenas à mesa do café – a necessidade de deslocação pode afectar a disponibilidade, de ir expressar formalmente um voto de protesto.

Por isso talvez seja pertinente terminar com uma nota negativa sobre a desorganização que continua a imperar nos nossos serviços públicos – no dia 4 os eleitores confrontaram-se em muitos locais de voto com números diferentes nos seus cartões de eleitor, com alterações dos próprios locais, por vezes para sítios distantes, com a inexistência dos seus números nas listas das mesas de voto. Eu vi, na minha freguesia isso aconteceu – e ela já tinha sido absorvida por outra há alguns anos.

Não ajuda a luta contra a abstenção.

Consultora de marketing e estudos de opinião

 

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