Quem tem medo da boa imprensa de António Costa?

Há muito que apoio António Costa e continuarei a apoiar por uma razão muito simples: é muito raro aparecerem políticos em Portugal que tenham carácter e inteligência.

Há muito tempo que o país oficial se entretém com ninharias, obviamente por falta de coragem de enfrentar a vida tal como ela é. Assim, de vez em quando, diz-se que alguém caiu nas graças dos jornalistas, por motivos, mais ou menos, insidiosos, maquiavélicos, de afinidades electivas, ou por cumplicidades misteriosas que, mais tarde ou mais cedo, mostrarão as suas garras, trazendo na pontinha das unhas a factura respectiva, acrescida dos juros devidos.

É o que a direita conhecida do país político se apressou a dizer, a escrever e a fazer chegar à comunicação social, assim que a direita que não aparece nos jornais, começou a ficar assustada, com os sinais da possível ascensão de António Costa ao poder, e este facto se tornou mais do que evidente aos olhos do país real.

E como os tempos não vão de feição aos contratados das agências de informação, por manifesta falta de capacidade (ou, pior ainda, desinteresse) em compreender o país real, começam a pulular por todo o lado as mais diversas teorias para tentar explicar aquilo que aos olhos do país real é tão fácil de entender como os movimentos do sol e da lua, as chuvas, o bom tempo, o vinho bom ou a moeda má.

Mas afinal o que tem de especial António Costa? Dirão uns com um leve desprezo do lado direito no enrugar dos lábios, e outros com o sorriso mais aberto do lado esquerdo da boca. E a resposta é simples como tudo o que é essencial na vida: não se trata dele, mas sim de nós. Não é ele que se armou em mito, como referia amiúde um sacristão que queria ser padre, fomos nós que nos cansámos de olhar para os políticos e não vermos pessoas. Cansámo-nos de ver moldes prefabricados montados em fábricas decadentes, mas recauchutados com algumas leituras apressadas e minadas de pós-modernidade para fazer muito barulho para nada como diria o génio do sempre actual Shakespeare.

Somos um povo velho com uma história quase milenar. Ansiamos por algo mais que um conto contado por idiotas cheios de palavras carregadas de som e de fúria que não significam nada, como diria também o dramaturgo inglês. Estamos fartos de discursos, poses, maquinações, conluios, que, passado o efeito da novidade, se esfumam na mediocridade quotidiana do costume. E é por isso que nos desinteressamos dos políticos que apenas trazem palavras, e temos esperança na parcimónia e às vezes até no silêncio daqueles que não prometem o que nunca poderão dar. Somos um povo sábio. Temos pouco, mas sabemos muito. E embora nos tenhamos enganado algumas vezes ao longo da História, não há riqueza que chegue à nossa capacidade de, quando chega realmente o momento da verdade, sabermos separar o trigo do joio quando se trata de avaliar pessoas. Digam elas o que disserem. Prometam elas o que prometerem.

É por isso que o entusiasmo à volta de António Costa não tem a ver apenas com o que o ouvimos dizer, mas sobretudo com o que sentimos quando ele o diz. Trata-se da diferença entre estarmos perante convicções profundas que ordenam imperativos éticos, por um lado, e do outro nada mais vermos que oportunismos malabaristas, que apenas evocam rastos de ambições forjadas em navegações de circunstância.  E se sabemos que não é possível pôr de parte o lúcido receio de que arautos bem-intencionados, como os Obamas e até os próprios Hollandes, podem acabar em frustrações mais ou menos previsíveis, também já aprendemos com a História que nada avança sem o risco e a coragem de sonhar, e de cortar amarras com o politicamente correcto, atento e venerador.

E é por isso que as direitas estão desorientadas, e os políticos, jornalistas e comentadores, pedem todos os dias a António Costa que lhes forneça o rol de palavras necessárias para se sentirem capazes de, em função das velhas lógicas de birra política, terem material para o confrontar e quiçá descobrir-lhe as contradições que lhes garantirão os respectivos quinze minutos de fama.

Só que os novos tempos não estão para velhas armas e é preciso passar do falar ao fazer. São tempos de pensar, mas já com sentimento incorporado. É preciso mobilizar o nosso ânimo e não a nossa tagarelice. É preciso deixarmo-nos de nos "pelar por uma bela frase" como dizia o Eça. Temos de estar cada vez mais atentos ao que nos vem dos outros, não só através do que dizem, mas também da maneira como o dizem: através dos olhos, através dos egos, através das intenções, através dos sentimentos, através da alma. As palavras contam muito sim, mas é preciso decifrar a cassete em que foram gravadas. Porque quando chegar à altura de usar as únicas palavras que nos farão regressar à dignidade: "sangue, suor e lágrimas" só as poderá pronunciar um político que tenha autoridade moral para isso.

E pronto, não maço mais ninguém com o meu entusiasmo. Quero apenas dizer, para que conste, que sou monárquico, liberal, não sou nem nunca fui do PS, nem acredito muito que os actuais partidos tenham alma para devolver Portugal aos Portugueses, a não ser que haja uma reciclagem ética poderosíssima e milagrosa.

Mas há muito que apoio António Costa e continuarei a apoiar por uma razão muito simples: é muito raro aparecerem políticos em Portugal que tenham carácter e inteligência. Geralmente ou têm um ou têm outra. Com as consequências que se conhecem.

Tenho 61 anos, vi de perto o Maio de 68, vivi por dentro o 25 de Abril, espantei-me com a Queda do Muro, e surpreendo-me todos os dias com o ritmo avassalador da Globalização. Fui e sou um privilegiado pela História que me é dado ver ou viver.

Espero ter ainda a sorte de ver, depois das próximas eleições legislativas, à frente do Governo de Portugal, um homem capaz de nos redimir a todos por essa junção única e feliz do carácter com a inteligência.

Actor

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