O PÚBLICO e as obrigações contributivas de Pedro Passos Coelho

Na vida pública, quando se chega lá acima, tudo o que está para trás está feito. E só há que admiti-lo, de modo claro e sem sofismas.

O caso das dívidas de Pedro Passos Coelho à Segurança Social politicamente não estará arrumado. Sobretudo, num ano de eleições à vista.

Provisoriamente, o caso foi dado por arrumado no debate da Assembleia da República da última quarta-feira. Não só pela inconsequência das declarações políticas dos vários partidos, mas por força da conclusão tirada pelo primeiro-ministro. Depois de ter apresentado aos deputados as declarações da Segurança Social e da Autoridade Tributária que davam a situação “regularizada, Pedro Passos Coelho afirmou: “Não tenho nenhuma situação por regularizar em matéria fiscal ou de Segurança Social.”

Confesso, por isso, que não tinha grande satisfação em pegar neste assunto. Mas, acontece que o leitor Joaquim Moreira me interroga sobre a apreciação que faço quanto ao “rigor e isenção” do PÚBLICO, relativamente aquilo que este jornal escreve no seu editorial do dia 03.03.2015, sob o título “ Uma certeza. E ainda várias dúvidas”. 

Fazendo acompanhar de um pequeno texto no qual exprime a sua reacção, o leitor Joaquim Moreira declara julgar que esse artigo “põe em causa o rigor e a isenção do PÚBLICO”. Diz o citado editorial: “Pagar à Segurança Social não é um benefício, é uma obrigação legal. E mesmo estando prescrita é uma obrigação moral e ética.” Por sua vez, para de algum modo contestar esta afirmação, o leitor Joaquim Moreira alega: “Pagar à Segurança Social é uma obrigação legal, mas também um benefício, já que, ao contrário de um imposto, os descontos para a SS serão mais tarde “recuperados” nas pensões de reforma.” (…) “Foi, naturalmente, por esta razão – releva o leitor – que PPC “pretendia” regularizar a situação, apenas depois de deixar funções públicas. Parece-me que faz todo o sentido. (…) Confesso que, não posso deixar de pensar que não só não há rigor, como uma intenção deliberada de atingir PPC, o que confirma as minhas preocupações com a isenção deste jornal.”

É verdade que esse pagamento traz esse benefício, mas, sinceramente, em todas as afirmações dadas e acrescentadas pelo primeiro-ministro, nunca vislumbrei que Pedro Passos Coelho tivesse dado como razão para pagar o devido não vir, no futuro, a ser prejudicado nos descontos pela reforma a receber. Mesmo quando o primeiro-ministro diz que não pagou logo em 2012, quando soube do seu incumprimento, e preconizava só vir a pagar quando deixasse de ter responsabilidades governativas, a razão invocada era para que não se dissesse que estaria a “usufruir de algum benefício particular” pelo facto de ser primeiro-ministro. Esta explicação pode conter algumas ambiguidades sobre quais benefícios, mas nunca Pedro Passos Coelho aduz a razão de pagar para não perder o benefício dos descontos. Ora, o que o PÚBLICO, no dito editorial, reafirma é que “pagar à Segurança Social não é um benefício, é uma obrigação legal”. E a condição específica que o editorial quer pôr em relevo é esta: Pagar esta dívida, “mesmo estando prescrita é uma obrigação moral e ética”.

Com efeito, esta minha leitura não é coincidente com a do leitor. Contudo, não me parece poder atribuir ao PÚBLICO por este editorial falta de rigor e isenção “com uma intenção deliberada de atingir” Pedro Passos Coelho. Depois da divulgação da notícia “Passos esteve cinco anos sem pagar contribuições à Segurança Social”, na edição de 28.02.2015, num texto assinado pelo jornalista José António Cerejo, com a colaboração da colega Cristina Ferreira, creio que o PÚBLICO, nos sucessivos editoriais ou reportagens dos dias seguintes, tem procurado situar esta questão no seu patamar de natureza política, moral e ética, pois Passos Coelho não será um “cidadão perfeito”, como ele próprio reconhece, mas é um primeiro-ministro de Portugal. E é esta condição o fulcro de todas as considerações que recaem sobre este caso.

Há quinze dias escrevia eu na crónica habitual desta página, sob o título, “ A política no radar dos media”, que “os políticos, hoje, em contínuo contacto com os media, aliás o que acontece por obstinação mútua, não têm por isso direito a ser inocentes”. E mais adiante perguntava: “Mas será possível imaginar que, hoje, algum político não tem consciência da arena onde desenvolve a sua actividade?” Parece-me que o agravamento desta polémica foi muito multiplicado pela inconsistência comunicacional com que o primeiro-ministro tratou a questão.

Nunca fui muito propenso a classificar a dita Comunicação Social como o quarto poder. Mas não sou avesso em aceitar, como creio não o são os defensores da democracia, que lhe está consignada uma missão de permanente escrutínio sobre os actos daqueles que, constituídos em poder, conduzem os destinos dessas democracias. Aos media e aos seus profissionais, também sem serem “perfeitos”, está lhes consagrada uma cláusula de salvaguarda na defesa da democracia. Na vida pública, quando se chega lá acima, tudo o que está para trás está feito. E só há que admiti-lo, de modo claro e sem sofismas. A competência comunicacional é uma exigência ao exercício da política. Da parte dos chefes ou das equipas de peritos que os acolitam.

 

CORREIO LEITORES/PROVEDOR

Outra vez, os títulos e os conteúdos dos textos

Escreve o leitor João Carvalho: “A qualidade dos trabalhos produzidos pelos órgãos de comunicação social escrita se deve aferir, não só pelas virtualidades dos conteúdos, mas também pela correspondência entre estes e os destaques – cabeçalhos, chamadas de 1º página, etc. (…) Ora, na edição de 11.03.2015, onde se trata de um pedido de devolução de 143 milhões de €, por parte de Bruxelas, relativamente a fundos agrícolas, irregularmente pagos a agricultores, (…) nem no título ou subtítulo, se realça o “pequeno” pormenor de que se trata dos anos 2009, 2010, 2011, em que esteve a liderar o governo do Partido Socialista. Logo é natural que quem só leia os destaques chegue à conclusão que se trata de actuação do actual governo.”

Não faltam protestos, falta é informação”

Opina o leitor M. Gaspar Martins: “Há dias, ao comprar o PÚBLICO, o dono do quiosque (…) disse-me que “anda tudo conformado, ninguém protesta”. Respondi-lhe que não faltam protestos, falta é informação. No dia 7/03/15, houve manifestações em todo o País, e o PÚBLICO nem uma linha lhes dedicou. (…) Uma semana antes, em Loures, dois mil activistas comunistas passaram o dia a debater as soluções alternativas para a crise europeia. (…) A comunicação social abafou tal iniciativa. Será o PÚBLICO um jornal de referência?”

II Encontro de leitores escritores de cartas aos directores

No dia 28 deste mês, na Casa do Concelho de Tomar, em Lisboa, vai realizar-se o II Encontro de Leitores/escritores de cartas aos directores de jornais.

Critérios de “pertinência”

O Estatuto do Provedor do Leitor do PÚBLICO estabelece que cabe ao provedor “avaliar a pertinência das queixas, sugestões e críticas dos leitores”. Obviamente que o conceito de pertinência que sigo em cada caso será sempre discutível. Como sabem alguns leitores, tenho muitas vezes apenas optado por servir de veículo de correspondência entre leitores e os jornalistas visados. É um critério. Porventura, discutível. Mas tem obtido resultados positivos. Não pretendo ser esconderijo de queixas. Rejeito, isso sim, tornar este espaço num “muro de lamentações”. Não quer dizer que não aproveite os assuntos para temas das crónicas.

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