“Não temos esqueletos no armário”

Em entrevista, José Matos Correia garante que o que é público sobre as contas do Estado é fiel à realidade das circunstâncias. E afirma que, depois da troika, o programa eleitoral da coligação representa a oportunidade que tanto PSD e CDS sentem ter agora para avançar com as suas propostas.

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José Matos Correia Rui Gaudêncio

Começou a trabalhar no gabinete de Durão Barroso em 1987, que acompanhou como adjunto quando este subiu a ministro dos Negócios Estrangeiros. É deputado desde 1999. Assumiu pela primeira vez funções partidárias em 1999. Aos 52 anos, coordenou pela terceira vez a elaboração de um programa eleitoral do PSD para as legislativas. E garante que este programa pode não ter novidades, mas está impregnado de “liberdade”. Que, somado à “transparência” destes últimos 4 anos de governação, considera ser suficiente para vencer as eleições.

Por que é que este programa é de continuidade?
O nosso lema é “Agora Portugal Pode Mais”. Fizemos um conjunto de coisas que não correspondiam em larga medida à nossa vontade, mas que tiveram de ser feitas em função da troika. Isso não significa que não haja um conjunto de pressupostos do que é o nosso modelo político, económico e social que, com as limitações decorrentes da troika, não estejam já a ser a ser aplicados. O que nós queremos agora é poder continuar num percurso cujas marcas já existem, agora com a ambição de fazer mais.

 Mas esse mais não está lá.
Quando se fala em liberdade, fala-se de quê? No plano económico, em larga medida, já retirámos um conjunto de entraves que existiam na economia portuguesa e que faziam com que sempre os mesmos beneficiassem. A economia só cresce liberta de regras excessivas, de privilégios injustificados. Isso foi feito e o caminho tem de ser a prossecução dessa mesma linha. E também falamos da liberdade de escolha no Serviço Nacional de Saúde. Queremos que as pessoas, progressivamente, tenham o direito de escolher a que Centro de Saúde querem recorrer.

Já o propunham há quatro anos.
Mas há quatro anos não o podíamos fazer.

Na apresentação, o primeiro-ministro referiu-se às eleições de 2011 dizendo que os portugueses tinham corrigido o voto e que precisavam de o confirmar agora. Não é uma atitude pouco democrática encarar o voto noutro partido como um erro?
Eu não creio que o sentido da frase do primeiro-ministro fosse esse. O que aconteceu em 2009 foi que o PS ganhou as eleições com base num conjunto de logros e enganos que levaram os portugueses a convencer-se de que a governação socialista seria uma e foi outra. O mais conhecido desses logros foi o célebre aumento dos funcionários públicos, de quase 3%, que foi alterado dois meses depois de o PS ganhar as eleições. O PS, em 2009, partiu para as eleições com uma agenda escondida.

Mas o primeiro-ministro não disse que os portugueses foram enganados, disse que tinham corrigido o voto.
Mas exactamente por isso. Nós votamos de acordo com um conjunto de pressupostos. Quando eu parto do princípio que esses pressupostos estão certos e depois verifico que estão errados, eu fui enganado. A correcção do voto tem de ver com o facto de as pessoas terem sido levadas a votar num determinado sentido, e que depois, imediatamente após as eleições, se percebeu que iria ser assim. Portanto, o voto de 2011 é uma correcção do voto de 2009, nessa perspectiva. E agora o que o primeiro-ministro pediu, e acho que legitimamente, é que os portugueses mantenham o sentido do voto que tiveram em 2011.

O PSD em 2011 prometeu não subir impostos e subiu logo depois das eleições.
Há uma diferença quando se sucedem maiorias ou se sucedem no Governo as mesmas forças políticas. Quando um determinado partido, ou coligação, está em funções e se mantém, significa que quem está no poder sabe exactamente o que é que está a fazer e em que termos quer colocar as suas propostas aos eleitores. É diferente a circunstância quando muda a maioria.

A coligação tem desculpa?
Não é uma questão de ter desculpa. Em 2011, o Programa de Assistência não tinha as soluções adequadas e os mecanismos de financiamento necessários à economia. Eu sei que o PS tem vindo a dizer que o PSD também esteve envolvido, mas isso não é verdade. O PSD foi consultado sobre algumas das questões do memorando, mas o PSD, tal como a troika, não eram os responsáveis pela governação. Tiveram os elementos à sua disposição que o PS colocou. E a verdade é que ficou claro, imediatamente, que as necessidades de financiamento da economia não estavam acauteladas. Portanto, havia dois caminhos: o caminho grego que representaria dizer isto não serve, temos que renegociar o programa. O que nos conduziria a uma situação ingerível e ia piorar mais a situação interna. Ou então fazer das fraquezas forças e dizer que, mesmo com um programa que não servia, era preferível continuar pelo caminho aplicando medidas impopulares mas necessárias.

O primeiro-ministro já assumiu que não haverá cortes nas pensões. Mas no último Plano de Estabilidade está definido um corte na Segurança Social de 600 milhões de euros. Onde é que os vão buscar?
Não é um corte, é uma poupança. O que está dito no PE é que é necessário um conjunto de medidas, dando como exemplo uma medida que já foi reprovada. O que aconteceu a partir do dia 15 de Agosto de 2014. No discurso do Pontal, foi dito que, nas circunstâncias impostas pela decisão do Tribunal Constitucional, teríamos de encontrar um conjunto de soluções diferentes que exigiam um consenso alargado. Por isso o primeiro-ministro assumiu a intenção de um entendimento com o PS. Que depois, quem quer que ganhasse as eleições se comprometeria a aplicar. O PS disse sempre não.

A proposta da coligação para o plafonamento já tem mais de dez anos no PSD e o PS recusa-a sistematicamente. Não fazia mais sentido haver abertura do PSD para uma proposta menos rígida?
Uma coisa que me surpreendeu foi o primarismo da reacção de António Costa. É extraordinário como é que alguém que pretende ser primeiro-ministro reage daquela forma, sem saber o que está no programa e avança com um conjunto de falsidades. A primeira frase de António Costa é que nós pretendemos desenvolver uma privatização. Mas desenvolver a privatização de quê?

O PS diz isso desde há 10 anos.
Defendemos um plafonamento como solução de futuro. Mas se as pessoas quiserem que seja a segurança social, através dos seus fundos, a fazer os descontos acima do plafonamento, poderão fazê-lo. Diz o PS que depois os fundos da Segurança Social investem no privado. Mas se calhar é melhor investir no privado do que pegar nesse dinheiro para investir na reabilitação urbana, uma ideia peregrina de António Costa. Eu estou de acordo que temos de chegar a um entendimento. Já estou habituado aos “jamais” do PS. Nunca permitiam isto ou aquilo e depois, quando percebiam que a história não lhes dava razão, mudavam de posição, no sentido certo, mas obrigando o país a pagar o preço do atraso.

Acha que vai acabar por acontecer essa mudança?
O que tem de haver é a mesma abertura e disponibilidade que colocamos no nosso programa. Nós dizemos que queremos fazer a reforma da Segurança Social em consenso com os parceiros sociais e com a oposição. Estamos disponíveis para trabalhar nesse consenso. Até hoje, o PS nunca quis trabalhar o consenso. Por uma razão simples: porque está na oposição e considera que trabalhar o consenso não dá votos.

O PS já fez mais de uma reforma na Segurança Social.
Já e houve circunstâncias em que apoiámos as propostas do PS. Só que não percebem uma coisa: o PS já fez duas reformas que eram para médio prazo e, ao fim de meia-dúzia de anos, a reforma não deu em nada. A prova mais evidente que o PS não tem razão, é o que se passou com as reformas do PS.

Porque é que caiu a proposta de redução do número de deputados?
Porque este é o programa de uma coligação.

Por causa do CDS?
Está lá o voto preferencial. 

E a reforma do Estado?
Temos o capítulo V que dividimos em quatro partes. A primeira aborda o problema da sustentabilidade, a segunda a administração pública, a terceira é sobre a modernização e a quarta sobre descentralização. Na administração são feitas propostas que passam, por exemplo, por continuar a reavaliação das estruturas do Estado no sentido de se chegar à conclusão de quais são as que devem permanecer e as que devem desaparecer. Propomos prever a longo prazo a necessidade de funcionários nos diferentes serviços do Estado para definirmos um programa de recrutamento cronologicamente pensado. Na modernização propomos uma revolução completa da relação entre o Estado, cidadão e empresas, com a criação de uma loja do cidadão por município. E na descentralização, está a ideia do aprofundamento da transferência de competências, tornando-a até definitiva e universal, em competências e áreas importantes para o dia-a-dia dos cidadãos, como a Saúde ou Educação.

Porque é que temos de falar em Reforma do Estado agora? Isso não era para ter sido feito nestes quatro anos?
Mas foi! Quantos foram os institutos públicos e direcções-gerais extintas?

Isso também foi feito em Governos anteriores.
Não tem comparação.

Em termos de quantidade?
De quantidade. Mas eu gosto da expressão reformas estruturais. Temos que perceber que, face aos problemas e desafios com que as nossas sociedades são confrontadas, a necessidade de adaptar e modernizar é permanente. Temos que estar aptos, em cada momento, para perceber o que é que a realidade exige de nós. A ideia de reforma transmite-me um certo conceito de estaticidade. Faço e está feito. E não é assim. Em Portugal temos muito a mania de julgar que uma reforma legislativa resolve os problemas. A legislação é o pressuposto para depois se aplicar. Temos de ter a capacidade de ir mais longe sempre que as circunstâncias o determinam. Aqui há uns anos ninguém falava nas questões da regulação. E agora essa questão é essencial. Temos de ter entidades reguladoras forte e independentes, escrutináveis. Diz-me que há coisas que não foram feitas. É verdade, têm que ser feitas agora. Com o caderno de encargos que tivemos não se pôde fazer tudo. Nós propomos coisas importantes do ponto de vista do funcionamento da máquina do Estado: centralização das funções de pagamento na secretaria-geral. Porque é que o processamento dos vencimentos não feito por uma entidade única?

E porque é que não foi feito em 2011?
Quando se estava a aplicar um programa de emergência com centenas de milhares de exigências, vindas de todas as direcções, não se conseguiu fazer tudo. Nós temos a humildade de não ter feito tudo. Mas agora deve-se ir mais longe. Porque é que não criamos mecanismos de centralização de respostas na área social, da consultoria jurídica, do planeamento?

Ainda é possível cumprir um programa eleitoral?
Eu não tenho a mais pequena dúvida que este programa tem todas as condições para ser cumprido. Não incluímos rigorosamente nada que não seja realizável. Por isso mesmo é que, quando não podemos assumir um compromisso definitivo, dizemos quais são as nossas sugestões. Mas se achamos que devem ser encontradas soluções políticas mais alargadas, entendemos que o mais sério é não incluir promessas que não podemos cumprir.

Até porque PSD e CDS têm acesso a todos os dados…
Há uma diferença interessante entre 2009 e 2015. Nessa altura, o PS prometeu o que sabia não poder cumprir só para ganhar eleições. Hoje, para ganhar eleições, nós prometemos apenas aquilo que sabemos poder cumprir.

Isso confirma a ideia que um partido na oposição parte em desvantagem em relação a outro que está no poder.
Tem toda a razão. 

O actual Governo não devia, então, disponibilizar todos os dados do Estado aos partidos que concorrem?
Não temos esqueletos no armário.

Mas ainda agora reconheceu que um partido que está no Governo…
Não me deixou acabar o raciocínio. Nós temos hoje um nível de escrutínio público sobre as contas públicas como nunca houve em Portugal. Quer por instituições internacionais, da troika, que têm acesso a toda a informação, quer pela nossa própria postura. O PS quis sempre evitar que um conjunto de empresas públicas fosse incluído no perímetro da dívida e do défice. Para poder enganar as pessoas. O problema estava lá, mas como estava fora do perímetro orçamental não era défice nem dívida pública. Fomos criticados pelo PS, por termos permitido que a dívida pública, não real mas formal, aumentasse pelo alargamento do perímetro da dívida pública. Nós quisemos que a transparência existisse. Criámos o Conselho das Finanças Públicas. Existe a UTAO. De uma coisa que os portugueses podem ter a certeza absoluta é que não há esqueletos no armário. O que é público sobre as contas do Estado é fiel à realidade das circunstâncias. O PS tem tanto acesso à informação como nós temos, sabe o que nós sabemos, e sabe o que nunca soube um partido da oposição.

Na lista de candidatos da coligação consta Marco António Costa. É democraticamente saudável esta inclusão de alguém que está a ser investigado pelo Ministério Público?
Eu não vejo nenhum problema nisso, pelo contrário. Deixá-lo de fora das listas significava estar a lançar uma suspeita e a discriminá-lo em circunstâncias que são inaceitáveis. Foi alvo de umas quase patéticas denúncias na internet, ele próprio pediu à Procuradoria-Geral da República que invocasse essas mesmas acusações, está no pleno exercício dos seus direitos, é vice-presidente do partido, e seria estranho que não fosse incluído na lista.

Mas isso criou mal-estar no partido, há dirigentes partidários incomodados com isso.
Se me diz eu acredito, mas se isso acontece, a porta a que vêm bater não é a nossa. Não nos transmitiram essas preocupações. Nós vivemos tranquilamente com isso. Não há nenhuma razão para que Marco António Costa, que é coordenador da comissão permanente do partido, não tenha nas listas um lugar de destaque.

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