Más boas ideias

Calisto Elói de Silos e Benevides de Barbuda, é sabido, foi o protagonista de uma revolta pela moralização da política — em A Queda de um Anjo, de Camilo Castelo Branco. E foi também, mas isso é menos sabido, eleito num círculo uninominal.

Calisto Elói era de Miranda, e os deputados enviados por Miranda a São Bento tinham pouco da terra. Eram, em geral, aqueles que os diretórios partidários tinham escolhido a dedo de entre os seus fiéis lisboetas: “pela maior parte, os representantes dos mirandeses tinham sido uns rapazes bem-falantes, areopagitas do Café Marrare, gente conhecida pela figura desde o botequim até S. Carlos”.

Abandonamos aqui com pena a prosa de Camilo Castelo Branco, apenas para notar o seguinte: não foi por terem círculos uninominais que os portugueses, no século XIX, tiveram eleitos mais próximos dos eleitores. E não é se eles forem reintroduzidos extemporaneamente no século XXI que os terão.

A primeira razão é simples, mas não se pode abusar dela: é que não há praticamente sistema eleitoral que não possa ser distorcido. O liberalismo tinha círculos uninominais, e os diretórios partidários enchiam-nos de “rapazes do Marrare”. A nossa IIª República tem círculos distritais proporcionais e nada tem impedido os diretórios de os encher de pára-quedistas. A razão por que é necessário ser cuidadoso com este argumento é porque os poderosos também o usam para não reformar nada.

A segunda razão é que os círculos uninominais são quase de certeza uma ideia que é má, parecendo boa.

Os círculos uninominais são a típica novidade velha. Parecem uma ideia moderna, sendo no entanto uma ideia pré-moderna. Faziam sentido na Inglaterra da Revolução Gloriosa (1688) porque era necessário enviar uma pessoa de cada terra para o parlamento em Westminster. As distância e as dificuldades de transportes faziam daquela pessoa a representante daquela terra. Isso era antes de haver esquerda e direita, ou até partidos políticos. Hoje, o sistema significa que o mirandês de um partido estaria representado, e que os dos outros se sentiriam mais representados... pelos deputados dos outros círculos. Era essa a ideia?

Depois, a não ser que todo o parlamento fosse composto por deputados de círculos uninominais — e aí acabava-se a proporcionalidade, estabelecida (e muito bem) como princípio geral pela Constituição — cada deputado “uninominal” teria de representar para aí 150 mil portugueses. Isso significaria que só na linha que vai de Lisboa a Sintra haveria população para vários deputados. Miranda tem menos de dez mil habitantes; se no século XIX teve Calisto Elói, desta vez nem todo o distrito de Bragança daria para um círculo uninominal. Para proximidade, estamos falados.

A verdadeira pergunta é, contudo, de que tipo de proximidade estamos a falar. Geográfica, sim; mas, num tempo de internet e redes sociais, será essa a mais importante? Para representante local, temos os autarcas. Para representante nacional, queremos quem esteja próximo de nós pela escolha, pelo voto e pelo mandato.

Para isso precisaríamos de algo como: um círculo nacional, listas abertas, voto preferencial e quotas regionais obrigatórias nas listas de deputados (escolhidas por primárias nos partidos que assim decidissem). Um sistema do presente e não do passado.

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