Machete admite ter procurado "minimizar efeitos danosos" nas relações com Angola

Numa audição muito dura para o ministro dos Negócios Estrangeiros, Rui Machete recusou ter violado o princípio da separação de poderes. PS e BE pediram que se demitisse.

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Rui Machete no Parlamento Miguel Manso

Foi com um indisfarçável incómodo que os deputados da maioria ouviram as explicações de Rui Machete sobre o pedido de desculpas a Angola. O ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros reconheceu que o fez com intenção de apaziguar e de “minimizar os efeitos danosos” da divulgação da existência de investigações judiciais a empresários angolanos. Rui Machete esteve sob fogo e ouviu directamente pedidos para se demitir por parte do PS e do BE.

Na sua intervenção inicial, o ministro tentou justificar as declarações à Rádio Nacional de Angola, no mês passado em que desvalorizou a gravidade de processos judiciais a altas figuras angolanas que correm em Portugal.

“Foi assim num propósito de apaziguamento e procurando minimizar os efeitos danosos que como ministro dos Negócios Estrangeiros lamentei a violação do segredo de justiça”, afirmou.

Machete reconheceu que essas notícias tiveram repercussões “negativas” nas relações com Angola. Mas recusou que tenha havido “desrespeito” pelo princípio da separação de poderes e negou que tivesse tido “qualquer contacto com a Procuradora-Geral ou com outro magistrado” sobre o assunto. A conclusão de que os processos não eram graves que se resumiam a formalidades e ao preenchimento de formulários foi, segundo o ministro retirada de um comunicado da PGR de 2012 sobre o caso.

As justificações não convenceram a oposição, em particular o PS e o Bloco de Esquerda. No momento de interpelar o ministro, o deputado socialista Pedro Silva Pereira foi duro. “Pensei que tivesse a lucidez de já não comparecer nesta comissão”, disse, acrescentando que a demissão do ministro já devia ser “um caso arrumado”. O ex-ministro de Sócrates acusou Machete de fazer uma declaração “intolerável”.

“Em primeiro lugar porque cometeu indignidade de pedir desculpas públicas por estarem em curso investigações relativas a altos membros do Estado angolano, e em segundo lugar porque violou grosseiramente o princípio da separação de poderes, ao divulgar informações sobre o conteúdo de assuntos em investigação”, afirmou, dizendo ainda que não colhe o argumento de ter usado uma expressão menos feliz. “Um pedido de desculpas não é apenas uma expressão infeliz, é uma posição diplomática do Estado português”, referiu. Pedro Silva Pereira contestou ainda a alegação de que a desvalorização dos processos podia ser retirada do comunicado da PGR de 2012. “Onde é que o senhor ministro foi inventar isso? Não pode dizer que foi com base num comunicado que é omisso nessa matéria”, desafiou. E pediu: “Saia em nome da dignidade do Estado”.

O mesmo argumento foi usado pela deputada do BE, Helena Pinto. “Como é que do comunicado tira essa conclusão? (...) Ninguém pode dizer se o processo vai ter ou não gravidade. Penso que ninguém aqui sabe isso”, criticou a bloquista, que voltou a pedir a demissão do ministro. “A situação em que se colocou não tem retorno, não tem saída. O senhor devia demitir-se, já vi outros demitirem-se por coisas muito menos graves”, sustentou.

Machete foi lacónico dizendo que tinha uma visão constitucional muito diferente da deputada. E numa segunda ronda de perguntas, respondeu numa frase que há “talento desperdiçado” no BE. Se faltaram palavras para a bloquista, sobraram elogios para o PCP, que dedicou pouco tempo à questão angolana.

O deputado comunista João Ramos acusou o ministro de ter tentado “tapar um crime de violação de segredo de Justiça, com uma inconstitucionalidade”, a interferência no poder judicial. O ministro notou a suavidade: “Agradeço ao senhor deputado não ter exigido eleições antecipadas ou a queda do Governo. É uma originalidade que aprecio”. Já antes, em resposta ao deputado do PSD, Rui Machete disse estar a ser vítima de uma “tentativa de assassinato político”.

À mesma hora e a poucos metros de distância, a ministra da Justiça estava a ser ouvida numa comissão parlamentar e foi questionada sobre o caso. Paula Teixeira da Cruz não comentou, mas disse que se houvesse uma infracção do princípio da separação de poderes “tiraria ilações”.

Relativamente ao caso BPN, o ministro recusou ter “faltado à verdade” à comissão de inquérito sobre o banco, alegando que a informação sobre o “pequeno lote de acções” que detinha na SLN foi dada por carta a um deputado. O caso está nas mãos da PGR, por iniciativa do BE. “A República não se defende com mentirosos no Conselho de ministros”, justificou o coordenador do BE, João Semedo.

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