Fim do bipartidarismo espanhol sem consequências em Portugal

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O fim do bipartidarismo espanhol, que os resultados das eleições municipais e em 13 comunidades autónomas do passado domingo anunciam, não terá consequências no mapa político em Portugal. Esta é a visão comum do politólogo André Freire, de Ana Rita Ferreira, professora de Ciência Política, e de Bagão Félix, antigo ministro das Finanças e da Segurança Social e do Trabalho.

“Em Portugal, o multipartidarismo tem-se acentuado, temos cinco partidos na Assembleia da República com uma percentagem considerável, em Espanha assistimos ao fim de uma tradição que já não existia em Portugal”, afirma Ana Rita Ferreira. “As últimas sondagens indicam que, somados, os três principais partidos [PS, PSD e CDS] aproximam-se dos 70% dos votos, o que reforça a ideia de que se já não tínhamos bipartidarismo assim vai continuar a ser”, refere.

“O nosso sistema partidário é diferente, o espanhol é mais polarizado”, constata o politólogo André Freire. “As eleições em Espanha traduzem alguns movimentos de mudança, de descontentamento com os políticos, e o aparecimento de novos competidores”, sublinha. “Em Portugal, as sondagens apontam para que os novos competidores estão fracos”, contrapõe.

“O nosso sistema é partidariamente muito resiliente, a inércia expressa-se muito a favor do voto útil, o que não dá novas entradas no mercado político”, destaca Bagão Félix. “Em Portugal, embora haja o excesso de recenseados [cadernos eleitorais não actualizados], o desencanto traduz-se em mais abstenção, votos nulos ou brancos, não em novas formações políticas”, assinala.

Não existem apenas diferenças, mas um verdadeiro regime de precedência. “O caso português é que influenciou a Espanha, o Bloco de Esquerda apareceu primeiro em Portugal”, insiste a professora de Ciência Política da Universidade da Beira Interior e do Instituto de Políticas Públicas. “Uma coisa é termos dois grandes partidos que têm vindo a alternar no poder, outra é haver bipartidarismo”, distingue.

Para André Freire, o resultado do escrutínio das autonómicas e municipais espanholas é prova de vitalidade. “A sociedade está descontente e vota em novos partidos, o pior é a apatia, em Portugal as sondagens auguram que não há mudanças de grande relevo, enquanto em Espanha é confirmado o descontentamento com o status quo”, assinala o politólogo.

“A Espanha é mais arejada do ponto de vista da ventilação política”, admite Bagão Félix. “Em Portugal, há um Partido Comunista muito estável que captura em média um de cada dez eleitores, o PCP é uma barreira institucional para a entrada de novos partidos à esquerda”, refere.

“Ninguém está à espera de terramotos políticos em Portugal”, sintetiza Ana Rita Ferreira. “Os movimentos sociais em Espanha [de que nasceu o Podemos e, há alguns anos, na Catalunha, o Cidadãos] têm uma força que não existe em Portugal”, exemplifica. “Estamos a falar sobre os resultados de eleições municipais e regionais, é arriscado definir o seu possível impacto em Portugal, se tivessem havido legislativas no domingo talvez houvesse algum impacto”, conclui.

“A situação política espanhola não está bloqueada, na portuguesa há um marasmo, nada acontece, existe descontentamento mas não há soluções de Governo à esquerda que funcionem ou que se espere que funcionem”, finaliza André Freire. Resta saber como em Espanha os protagonistas políticos traduzem em poder os votos que receberam dos cidadãos.

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