Ferro disse que processo de Paulo Pedroso só ia "à canelada"

O PÚBLICO revela novos excertos de escutas feitas pelo Ministério Público ao líder e a outros dirigentes do PS no dia da prisão de Paulo Pedroso . Escutas que também contêm elogios do secretário-geral socialista ao juiz Rui Teixeira. Ontem, o dia foi de silêncio.

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Ferro Rodrigues disse que se está "cagando para o segredo de justiça" Carlos Lopes/PÚBLICO

As escutas feitas a Ferro Rodrigues pelo Ministério Público (MP) em que o líder do PS disse estar-se “cagando para o segredo de justiça” não causaram estranheza aos investigadores, já que têm outras escutas em que Ferro afirma que o processo não pode ser resolvido “num plano tão elevado”, mas antes “à canelada”.

“Algum cidadão com o mínimo de respeito pelos mais elementares princípios do Estado de direito democrático poderá considerar estas conversas ‘inócuas’ e ‘ridículas’, ou, bem pelo contrário, terá forçosamente de concluir que se trata da revelação da existência de uma forte perturbação do presente inquérito?”, questiona o MP num parecer enviado ao Tribunal da Relação para justificar a prisão de Paulo Pedroso e no qual são reveladas as escutas feitas a Ferro Rodrigues e a outros dirigentes do PS.

Neste documento a que o PÚBLICO teve acesso, o MP diz também que a “tentativa de perturbação do processo” resulta evidente numa outra escuta feita a Ferro Rodrigues em que este diz ter conseguido “ao longo da tarde alimentar a ideia de que… levantar a dúvida”.

“Ora senhores desembargadores, a dúvida só precisa de ser levantada perante a evidência de uma verdade que prejudica quem assim actua. Deste modo, se o arguido estivesse inocente como reclama, a transparência da sua verdade não precisaria de ser demonstrada através do levantamento de qualquer dúvida. Mais uma vez esta actuação, em nome, a favor e concertadamente com o arguido, além de perturbar o inquérito, visa alimentar um alarme social decorrente do questionamento da acção legítima da justiça”, diz o MP.

E acrescenta ainda que isso é tanto mais verdade quando a apreciação que é feita do juiz de instrução pelo líder do PS é a de um indivíduo “cordial”, “bicho de processos” e “cego em relação a manobras e cabalas”.

Outra questão polémica para o Ministério Público são as tentativas de contactos de dirigentes socialistas com o procurador João Guerra. Numa das conversações escutadas pelos investigadores, António Costa diz a Paulo Pedroso: “Já fiz o contacto.” “Sim”, responde Paulo Pedroso. “Disse que ia falar imediatamente… com o… procurador do processo… portanto, o Guerra.”

“O receio que tem… é que a coisa… já esteja na mão do juiz… visto que é o juiz que se tem de dirigir à Assembleia. (…) Oh pá, eu disse… pá disse ‘ouça… nós já tivemos a ver… achamos que não há nenhuma nulidade da prova para não haver autorização… Eh pá, no limite se houver, uma pessoa está disponível para isto, quer dizer… agora quero é reduzir a publicidade. Pá, talvez o teu irmão seja altura de procurar o Guerra…”, acrescenta António Costa.

Outras questões delicadas para os socialistas já reveladas pela SIC na noite de sexta-feira prendem-se com a referência de Ferro Rodrigues a Jorge Coelho sobre um almoço que “não serve para nada” e que o MP diz referir-se a uma refeição entre o Presidente da República, Jorge Sampaio, e o procurador-geral da República, Souto Moura. A segunda tem a ver com o facto de António Costa ter dito a Ferro Rodrigues ao fim da tarde do dia 21 que “uma testemunha da Judiciária não é fiável”, o que para o MP significa que o dirigente do PS conhece as testemunhas do processo.

Recorde-se que as escutas foram feitas no dia 21 de Maio, nas horas que antecederam a notificação de Paulo Pedroso para depôr no processo Casa Pia e, na eventualidade, ficar em prisão preventiva. O PS movimentou-se na tentativa de que Pedroso fosse ouvido pelo juiz com menos “publicidade”. Falhando essa hipótese, a direcção do PS apressou o levantamento da imunidade parlamentar e o rápido comparecimento do deputado junto da justiça. Paulo Pedroso acabaria por ficar em prisão preventiva sob o argumento de “perigo de perturbação do inquérito” (que o MP atribui a Ferro Rodrigues e a António Costa), argumento que foi considerado falacioso pelo Tribunal da Relação, que decidiu a libertação do deputado socialista e impôs-lhe o Termo de Identidade e Residência.

Por causa do “perigo de perturbação de inquérito”, o procurador João Guerra ouviu no DIAP (Departamento de Investigação e Acção Penal) António Costa e Ferro Rodrigues, mas também o inspector da PJ Orlando Romano, o ex-director-geral Luís Bonina e a procuradora Maria José Morgado. Por causa de ser chamada a depor neste inquérito, Maria José Morgado fica impedida de analisar o processo na Relação, onde é procuradora.

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