Conferências do Estoril: encontro internacional de amigos da liberdade

As Conferências do Estoril emitiram um poderoso alerta contra as ameaças à liberdade e à democracia num mundo global.

“Se os homens livres não fizerem nada, as forças da ditadura e da opressão vão continuar a avançar”, disse Garry Kasparov na passada sexta-feira, no encerramento das Conferências do Estoril, promovidas pela Câmara Municipal de Cascais. Foi um encerramento poderoso. E de forma poderosa resumiu as preocupações e alertas que ali se tinham feito ouvir ao longo da semana.

José Manuel Durão Barroso tinha alertado na quinta-feira para o clima de euro-pessimismo que se faz sentir em inúmeros sectores do eleitorado e das elites na Europa. Christopher Walker, director executivo do International Forum for Democratic Studies, com sede em Washington, falara da “crise de confiança” que parece afectar as democracias. Anders Fogh Rasmussen, ex-secretário-geral da NATO, alertara para a urgente necessidade de reforçar os orçamentos de defesa dos aliados atlantistas. João Vale de Almeida, embaixador da União Europeia em Washington, reafirmara que as democracias não podem aceitar a ocupação russa da Crimeia. D. Manuel Clemente, Cardeal Patriarca de Lisboa, alertara para as ameaças totalitárias decorrentes da manipulação da religião para fins políticos.

Muitos outros oradores podiam ser citados. Mas terá sido provavelmente Garry Kasparov quem resumiu uma das preocupações comum de forma mais contundente: “O inverno está a chegar” (título do seu próximo livro).

Com palavras duras e directas, Kasparov denunciou o expansionismo de Putin e alertou: se nada for feito pelo Ocidente, Putin vai continuar a avançar. E a causa democrática será cada vez mais enfraquecida.

Um fenómeno semelhante terá ocorrido a seguir à vitória das democracias após a I Guerra, recordou Kasparov. Em 1920, a democracia ainda podia ser considerada como “o regime natural.” Mas o isolacionismo da América (na época sobretudo promovido pelos republicanos contra a herança de Woodrow Wilson) e a política de “apaziguamento” face a Hitler deixou as democracias na Europa à deriva. Em 1938, apenas restavam 10 dos 28 regimes (mais ou menos) parlamentares de 1920.

Simultaneamente, assistimos hoje à crescente assertividade internacional de regimes não democráticos e anti-democráticos. Como recordou Christopher Walker, a Rússia, o Irão, a Arábia Saudita e a Venezuela, além da China, têm aprendido uns com os outros e até nalguns casos cooperado entre si para reduzir o progresso da democracia.

Esta crescente assertividade está a gerar uma mudança no equilíbrio geopolítico entre as nações democráticas e as suas rivais. A mudança é patente em várias zonas do globo e com vários protagonistas, mas é particularmente evidente na agressividade do fundamentalismo islâmico na Síria e no Iraque: na mesma semana em que se reuniam as Conferências do Estoril, os terroristas do Isis ocuparam a cidade histórica de Palmira e a de Ramadi (que as forças americanas tinham penosamente libertado em 2007).

A invasão da Crimeia pela Rússia é outro sinal distintivo de que o sistema internacional baseado em regras, e que emergiu sobretudo no final da Guerra Fria, está claramente a ser posto em causa.

Esta mudança geopolítica trará sérias consequências. Num mundo de novo dividido em esferas de influência e blocos de poder, a capacidade de escolher uma via democrática voltará sobretudo a depender da geografia de cada país, não das preferências das suas populações.

Acresce que essas preferências sofrerão também alterações. A verificar-se o que Robert Kagan designa por “America’s retrenchment”, ou Stephen Bret por “America in retreat”, a preferência pela democracia passará a ser menos atractiva — sobretudo para aquelas pessoas e nações que preferem em primeiro lugar estar do lado do vencedor, ou do mais forte.

Em contrapartida, nas Conferências do Estoril, as preferências eram claramente pela liberdade e a democracia. Carlos Carreiras, presidente da Câmara de Cascais, Miguel Pinto Luz, vice-presidente, e Milton Sousa, director das Conferências do Estoril, voltaram a prestar um notável serviço à causa da liberdade. Não só voltaram a colocar o Estoril no mapa global, como promoveram um enérgico encontro internacional de vozes democráticas.

O que essas vozes disseram não deve ser ignorado. Elas emitiram um poderoso alerta contra as ameaças à liberdade e à democracia num mundo global. E lançaram um poderoso apelo aos amigos da liberdade e da democracia para que juntem forças. Estes temas irão certamente voltar em breve ao Estoril: a 22-24 de Junho, terá lugar a 23.ª edição do Estoril Political Forum, no Hotel Palácio, dedicada aos 800 anos da Magna Carta.

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