Ausência de redes trava pressão migratória africana em Portugal

O desembarque na Ria Formosa, no Inverno de 2007, de um grupo de 19 africanos foi obra do acaso. Nunca mais se repetiu, por o território português não ser rota de passagem para o destino sonhado: o centro e norte da Europa.

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O único registo de desembarque em águas portuguesas ocorreu há quase sete anos Juan Medina/Europa

A ausência de redes de apoio à imigração africana originária de países subsaarianos que através de Marrocos pretende entrar na Europa está na origem da fraca pressão migratória sobre Portugal, segundo especialistas ouvidos pelo PÚBLICO. Um fenómeno também favorecido por uma menor proximidade geográfica ao continente africano, e pelas adversas condições meteorológicas e de mar que não facilitam as avalanches que têm afectado a Espanha nas últimas semanas.

A não existência de redes de apoio em território português, segundo os mesmos especialistas, radica num variado conjunto de factores. A Espanha, antiga potência colonial no norte de África, está por este condicionalismo histórico sujeita a uma pressão directa. Aliás, em várias zonas espanholas, no denominado arco do Mediterrâneo – da Catalunha à Andaluzia –, a Madrid ou mesmo no País Basco, existem populosos núcleos de origem marroquina. A grande maioria legalizada e com uma segunda geração com cidadania espanhola.  

Além desta realidade, desde os anos 80 do século passado algumas actividades económicas, como as rentáveis explorações agrícolas intensivas de Almeria, vivem de mão-de-obra norte-africana, especialmente marroquina. As estufas que exportam produtos verdes-frescos para o centro e norte da Europa foram alimentadas por esta corrente migratória.

A proximidade geográfica de Espanha do continente africano, cerca de 15 quilómetros em linha recta através do estreito de Gibraltar, e a existência dos enclaves espanhóis de Ceuta e Melilla em território de Marrocos, também favorece a pressão migratória. Este último factor tem sido, precisamente, capital em todas as avalanches.

Por fim, as condições de mar têm posto Portugal ao abrigo das pateras – pequenas embarcações – utilizadas na travessia. Durante o Verão, as costas algarvias são assoladas por ventos norte que dificultam a sua navegação. Apesar das correntes marítimas que, de Gibraltar, as empurram para oeste, ou seja, em direcção ao Algarve.

Não foi por acaso que o único registo de um desembarque em águas portuguesas de imigrantes africanos tenha sido há quase sete anos no Inverno, portanto sem a vigência da nortada. Foi em 15 de Dezembro de 2007, na Ria Formosa, que 19 cidadãos africanos foram detectados na área das ilhas da Culatra e Farol. Um episódio fruto do acaso, quando o objectivo do grupo era alcançar território espanhol. A sua imediata repatriação para a origem, Marrocos, e o pouco interesse que Portugal suscita para esta corrente migratória, onde não tem apoios e está mais longe dos territórios de destino no centro da Europa, não criou uma tendência.

Na madrugada da passada terça-feira, a 60 milhas do cabo de Gata em águas espanholas e a cerca de 100 milhas da costa portuguesa, o navio patrulha Figueira da Foz interceptou uma patera com 18 magrebinos, provavelmente de nacionalidade argelina, no âmbito da operação Índalo 2014 de combate à imigração irregular no Mediterrâneo da Frontex, agência europeia de gestão da cooperação operacional das fronteiras externas dos Estados-membros da UE. Aquele navio – uma das duas embarcações com aquelas características em operação de um lote de dez encomendado pela Marinha e cuja construção foi travada em 2012 pelo Ministério da Defesa em cumprimento das medidas de austeridade –, desembarcou os imigrantes no porto de Almeria.

Actualmente, para controlo da Zona Económica Exclusiva portuguesa estão ao serviço cinco lanchas no continente, uma corveta nos Açores e um navio patrulha na Madeira, concebido para missões nos rios africanos durante a guerra colonial. Efectivos escassos, tendo em conta a necessidade de controlar uma área 20 vezes superior ao território do continente. A estes meios, somam-se os da Força Aérea dispersos pelas bases de Ovar, Lajes, Montijo, Beja e Porto Santo. No total, três aparelhos de transporte, evacuação e vigilância C-295, quatro helicópteros EH-101, um C-130, um avião de vigilância Orion P3 e um Alouette, vetusto heli utilizado em África antes do 25 de Abril de 1974.

Um cenário habitual
Na passada quarta-feira, o ministro Interior espanhol reuniu de emergência com o seu homólogo marroquino em Tetuán. Com este encontro de Jorge Fernandez Diaz com Mohamend Hassad, Madrid e Rabat deram por relançada a colaboração na luta contra a imigração ilegal após a chegada de cerca de 1500 imigrantes subsaarianos a Espanha a partir de Marrocos, durante a primeira quinzena deste mês. Uma vaga que teve um pico de 48 horas, a 12 e 13 de Agosto, quando um milhar de imigrantes zarparam das praias sem a intervenção das forças da Gendarmerie marroquina.

Apesar do Governo espanhol ter evitado qualquer reparo às autoridades marroquinas, a cíclica repetição destas avalanches sempre provocou suspicácias. Nas últimas décadas, a diplomacia de Madrid considerou estas situações como uma forma de pressão de Rabat para a defesa de vários interesses. Foi assim aquando das negociações de Marrocos para a entrada dos seus produtos hortícolas na União Europeia, forçando um maior envolvimento de Madrid. É neste contexto que é interpretada a ausência de vigilância a 12 e 13 de Agosto, embora o motivo não seja explícito. É admitido, contudo, que foi uma forma dos marroquinos aliviarem a pressão exercida no seu território pela contínua corrente migratória com origem na África negra.

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