As primárias e o Presidente

O argumento constitucional de igualdade no momento de nomeação do primeiro-ministro é um argumento válido para que as primárias comecem a ser a regra nos partidos políticos.

No quadro constitucional, o Presidente da República, com base no resultado das eleições legislativas e após as mesmas, convoca as forças politicas para uma audiência e, como regra, convida o partido político mais votado, ou a coligação, para indicar o primeiro-ministro, que o próprio Presidente nomeará.

Não havendo precedente conhecido, relativamente a primeiro-ministro indicado, de veto presidencial (trata-se materialmente de veto a não nomeação, embora a Constituição não seja expressa), o certo é que, relativamente a membros do governo, já houve caso em que o Presidente terá colocado reservas, que acabaram por impedir a sua  nomeação. Digo "terá" porque estas matérias exigem recado, no seu tratamento, e, portanto, não transpiram para a sociedade em geral. Em qualquer caso, o poder de nomear o primeiro-ministro está no Presidente.

Com as eleições primárias, no interior dos partidos e com a participação de não militantes partidários nessas eleições, esse poder constitucional do Presidente não fica revogado, nem poderia ficar, tanto à luz dos princípios fundamentais que vigoram como da hierarquia das normas.  Todavia, a introdução de eleições primárias consagra um princípio novo, que é o de se indicar expressamente e por voto universal, antecipadamente ao momento das eleições legislativas (no caso destas), o candidato a primeiro-ministro.

Pode até parecer absurdo estar a colocar a questão nestes termos, mas não é. É que em nada obriga constitucionalmente a que o primeiro-ministro nomeado seja o líder político do partido mais votado. E até se poderá dar o caso de o Presidente nomear o primeiro-ministro indicado por forças que não tenham sido mais votadas singularmente nas eleições, mas que em coligação maioritária assumem que querem governar. A Constituição não delimita o poder de nomeação presidencial a não ser pela lógica política e da vontade do eleitorado interpretadas pelo próprio Presidente.

Ora, com as primárias, se, por um lado, o eleitorado já sabe que o candidato a primeiro-ministro é determinada pessoa que venceu essas eleições em determinado partido, por outro, o Presidente, apesar de manter o poder de nomear o primeiro-ministro, fica de algum modo politicamente condicionado pelo resultado dessas eleições, caso o vencedor das legislativas seja o partido onde as mesmas ocorreram. Isto porque o candidato chega a Belém, duplamente legitimado, e um eventual veto presidencial teria de ser reforçado na sua  fundamentação.

No quadro político português actual, e porque os partidos políticos não lançaram todos ainda mão do modelo de primárias, não querendo dizer que a legitimidade do candidato do partido, que não as praticando seja o vencedor das legislativas, está diminuída, cria-se um ambiente propício a que, no momento da nomeação, o Presidente possa fazer uma análise diferenciada ao abrigo de um  poder constitucional que detém. Ora, cabe ao Presidente avaliar a situação na base dos resultados eleitorais e não pode ficar indiferente ao resultado das primárias. Para que a análise e a decisão possam ser  equitativas e façam doutrina os pressupostos, terão de ser apresentados numa base igual.

Sem prejuízo de outros argumentos, este argumento constitucional de igualdade no momento de nomeação do primeiro-ministro é um argumento válido para que as primárias para as eleições legislativas, e outras, comecem a ser a regra nos partidos políticos. Não por imposição legal (em homenagem à autonomia dos partidos), mas por uma questão de acompanhamento cívico da letra constitucional.

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