Às ordens de Paulo

Portas manda-nos contar o dinheiro de bolso para comprovar que o Governo nos deu o que nem esperávamos.

1. Às ordens de Paulo Portas. Portas manda-nos contar o dinheiro de bolso para comprovar que o Governo nos deu o que nem esperávamos. Se fosse Passos a anunciar, corria-se o risco de dizer que o não merecíamos, com a mesma frieza com que nos apodou de piegas. Investido agora no papel de chefe da secção de informação e propaganda (SIP), como se dizia no tempo das associações de estudantes, Portas lembra-nos que a coligação devolveu dinheiro a funcionários e pensionistas. Não se coibiu de explicar a liberalidade pelo desempenho favorável da economia. Ora se esta vai cumprir o défice de 2014, ela declina no seu tímido crescimento, tal como as exportações e o investimento, e continua a acumular dívida pública.

Mas Portas tudo visionou ex ante. Sabe que pode estar a despedir-se da governação. Nada tem a perder na intensidade da propaganda. Passos arrisca mais. Pode ver-se livre do pajem de companhia, mas se o PS não obtiver maioria absoluta, Passos, condenado a co-governar, terá de explicar bem as contas deste ano, o que lhe não será fácil. Claro que este volte-face generoso nada tem que ver com eleições à porta!

2. PT: o silêncio dos não-inocentes. O Governo preanunciou que não mexeria um pêlo na assembleia geral que poderia fazer reverter o mau negócio da OI, se o Governo ajudasse. A ideologia venceu duas barreiras: a económica e o interesse público. Perdem-se os dedos antes dos anéis. Adeus, PT.

3. Urgências nos hospitais: “Spin Doctor” precisa-se para mudar a estratégia do Ministério da Saúde, pese embora o muito que prezo os amigos que lá tenho, a vários níveis. O ministério precisa de um Kasper, o assessor da primeira-ministra Brigitte, da famosa série dinamarquesa Borgen. Realmente, anunciar que o Governo recorrerá ao sector privado para urgências, não lembra ao diabo! Primeiro, pelo escasso resultado que daí viria, de urgências preparadas para coisas ligeiras; depois, porque seria sempre contra a vontade dos privados, como rapidamente fizeram saber (apenas duas Misericórdias, por cortesia condicionada, se manifestaram disponíveis); finalmente, porque em caso de necessidade extrema, a lei já comete à Direcção-Geral de Saúde, como Autoridade Sanitária Nacional, poderes iguais a uma mobilização militar, só que lhe chama civil. Mas não ficamos por aqui. Paulo Macedo, em estado de necessidade, creio que após ou durante visita ao Hospital de Amadora-Sintra, anunciou obras para alargar a urgência. Depois do esforço para poder anunciar, com Basílio Horta, os quatro centros de saúde que continuam a faltar em Sintra, medida altamente positiva e que deveria ser acompanhada da criação de uma dúzia de unidades de saúde familiares, Macedo enveredou pelo caminho mais fácil: prometer obras para ampliar instalações. Nada sobre a urgente necessidade de instalar, a montante, médicos e enfermeiros para deter procura não urgente. Obras, cimento armado, no fim da linha, como se julga que o povo gosta. Quantas vezes isto aconteceu com o banco de São José? Já lhes perco a conta. Sei como é difícil comunicar, do 5.º andar da João Crisóstomo, 9. E já agora, dados os seus créditos, Macedo bem pode bater o pé a Maria Luís e exigir um orçamento rectificativo decente, para não ser acusado pelos seus sucessores daquilo de que tanto gosta de acusar os antecessores. Se nenhum país está preparado para receber a notícia da morte de soldados em teatro de guerra lá fora, também não estamos preparados para receber notícia de mais mortes nas urgências, sem assistência. Cuidado!

4. Quatro dias que abalaram a Europa, de Frankfurt a Atenas. Depois do provocatório discurso de Obama sobre o estado da União, a colher os louros de uma política de facilitação quantitativa (quantitative easing) adoptada há cinco anos, e que deveria ter sido desde logo acompanhada pela Europa, só agora, depois de muita saliva gastar, pôde Draghi anunciar que os bancos centrais irão poder comprar mensalmente até 60 mil milhões de obrigações públicas e privadas, de países um pouco acima da cotação “lixo”, maioritariamente garantidas pelo respectivo banco central. Impressiona a lentidão com que a Europa reage, mesmo quando confronta o risco de deflação e de paralisia económica. Se não o fizesse agora, talvez só acordasse quando as exportações da Alemanha começassem a não encontrar mercados. Mas impressiona mais o sorriso forçado da nossa maioria, ainda agarrada a declarações irredutíveis de Passos Coelho, condenando este tipo de medidas que agora vai certamente usar para consumo eleitoral. À hora a que me lerem, já saberemos o resultado das eleições gregas. Anuncia-se uma vitória do Syriza, mas os mercados, pragmáticos, cheios de liquidez e, agora, de confiança enfunada pelo vento do BCE, nem tremem. Espera-se um duplo “ajustamento”: os mercados não provocarão os gregos, com medo que eles adoptem medidas mais extremas. Os gregos adaptar-se-ão ao contexto, cedendo no radicalismo. Assim eles consigam convencer os eleitores!

Plano Draghi

O novo Plano Draghi activará um programa de compras maciças de dívida pública. Gerar inflação, promover investimento e criar emprego são objectivos salvíficos para a zona euro. Draghi quebrou o tabu, para enorme desgosto do establishment económico alemão, sempre receoso de uma inflação longínqua. Com o reforço das medidas de alívio, os operadores financeiros podem trocar títulos de dívida pública por moeda. Melhorando a solvabilidade, ficam disponíveis para a compra de outros activos, para conceder crédito ao investimento. Trata-se de aumentar o dinheiro em circulação (M3) para aumentar preços, no longo prazo e no curto prazo, a produção e o emprego. Friedman usou a parábola de lançar dinheiro de helicópteros (helicopter drop) como medida antideflação. Bem longe disso, embora a operação tenha riscos. Os bancos centrais da zona euro, ao adquirirem, em certas condições, obrigações soberanas, libertam os balanços dos bancos destes activos, mas em caso de perdas, o Eurosistema apenas mutualizará 20%, o restante será provisionado pelos compradores. Uma concessão aos alemães. A crise descapitalizou empresas que não apresentam colaterais para novos financiamentos e os bancos usam da máxima prudência na gestão do risco de crédito. Este novo instrumento monetário precisa de políticas que estimulem a procura. Sem articulação com política orçamental que acompanhe o ciclo económico, a intervenção do BCE pode não ser eficaz. Mas as medidas anticrise estão aí! Planos Juncker e Draghi, mais flexibilidade nas regras do Pacto Fiscal. A realidade e o bom senso, finalmente, parecem impor-se. João Ferreira da Cruz, economista

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