A ausência da política

Em democracia, as eleições servem para escolher, avaliar e substituir quem nos governa, seja no país, nos partidos ou noutras instituições. Em democracia, porém, não chega ganhar eleições para manter a legitimidade de governar. É necessário que quem ganhe governe bem, exerça o poder de modo democrático e respeite as regras e os limites do estado de direito. Os mecanismos de censura e de destituição são, em democracia, tão importantes como as eleições porque dão às oposições e aos governados a possibilidade de agir para se protegerem de governantes que, apesar de eleitos, tomam decisões erradas, antidemocráticas ou contrárias ao estado de direito.

Há uns meses a direção do PS reclamou junto do Presidente da República a antecipação de eleições legislativas e a destituição do atual Governo porque entendia que este, apesar de democraticamente eleito, governava mal, contra as pessoas e contra a Constituição. Não podemos aceitar que se diga que a direção do PS pediu eleições antecipadas por oportunismo ou por sede de poder. Agora, na sequência de eleições europeias em que os resultados do PS ficaram aquém do esperado e a dispersão das escolhas ameaçou criar uma preocupante dinâmica de ingovernabilidade, a atual direção do PS está a ser questionada por muitos dos seus dirigentes e militantes, que pedem eleições internas antecipadas.

Como reage a direção do PS a esse questionamento? Por um lado, invoca que foi democraticamente eleita e que, por isso, não pode ser destituída, tem o direito de cumprir o seu mandato até ao fim, ao mesmo tempo que afirma que aqueles que a questionam são oportunistas motivados por sede de poder. Por outro lado, reconhece que as eleições confirmaram a existência de um problema de governabilidade, mas remete a solução desse problema para a reforma do sistema político, não para mudanças na atuação do PS.

Concretamente, a atual direção do PS propõe a diminuição do número de deputados e a escolha direta do candidato do partido a primeiro-ministro em primárias com a participação de militantes e simpatizantes. Com a primeira proposta, pretende contrariar a dispersão das escolhas impedindo, na prática, a representação parlamentar dos pequenos partidos. Com a segunda pretende adiar o debate programático sobre alternativas de governo e substituí-lo por uma competição personalizada.

Nesta história são muito preocupantes dois sinais. Em primeiro lugar, a dualidade de critérios: as regras que permitem a destituição e a substituição de quem está no poder no país não se aplicam a quem está no poder no PS. Em segundo lugar, a ausência da política: a direção do PS persiste no erro de transformar a ação política num conjunto de propostas formalistas nada tendo a dizer sobre o país em termos programáticos.

A política é muito mais do que isto. Nas eleições ficou patente que a grande maioria dos portugueses não reconhece o PS como alternativa de Governo. E isto não é um problema do sistema político ou de comunicação. É mesmo um problema político, programático antes de tudo.

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