Editorial: Putin II

Mikhail Khodorkovski, considerado o mais célebre prisioneiro político russo, passou dez anos na prisão e, como ele próprio disse ontem na primeira entrevista em liberdade, teve tempo para pensar em cada palavra que iria dizer. Sobre Putin, foi certeiro. Quando lhe perguntaram se antevia uma mudança no poder russo, o antigo multimilionário tornado mártir respondeu: "Putin tem saúde. Pode continuar por muito tempo."

Tudo indica de facto que basta Putin querer – e a saúde o deixar. O ex-agente do KGB tornado Presidente lidera o país por decreto, sem debate nem consenso, numa Rússia vítima de conspirações, onde a justiça é arbitrária, os jornalistas incómodos são assassinados, a liberdade de expressão um direito em vias de extinção e a homofobia é enaltecida a nível oficial.

Na sua conferência de imprensa anual de fim de ano, há dois dias, repetiu-se o estranho ritual: 1300 jornalistas com bandeiras, papéis e cartazes para atrair a atenção do líder ao longo de quatro horas de perguntas. A linha de demarcação que Putin fez por oposição à Europa é cada vez mais clara. Já não há subtileza. E a velha frase de Gorbatchov, que em 1989 descreveu a Europa como a "casa comum" onde a Rússia se encaixa, é uma memória congelada. O "Ocidente liberal é assexuado e infértil", disse Putin, que preza tanto a virilidade que há uns anos se fez fotografar em tronco nu em cima de um cavalo.

Putin parece nunca ter despido o uniforme do KGB e parece nunca ter saído da Guerra Fria. Até a libertação do antigo patrão da petrolífera Yukos foi uma operação na melhor tradição dos anos 1970. Sem qualquer pré-aviso, Khodorkovski foi posto num helicóptero na prisão, a 6000 quilómetros de Moscovo, viajou para São Petersburgo e daí seguiu num jacto privado para Berlim.

No espaço de semanas, Putin concedeu um empréstimo de 15 mil milhões de euros à Ucrânia (lido como forma de evitar um pacto de adesão à União Europeia), anunciou a libertação das cantoras da banda punk Pussy Riot e de Khodorkovsky, e autorizou a saída do país a 30 activistas do Greenpeace.

Mas o Ocidente, cujas elites estão a "destruir os valores tradicionais", diz Putin, não se vai comover com estes gestos natalícios, desenhados em parte para calar os críticos, dentro e fora da Rússia, antes dos Jogos Olímpicos de Inverno.

Neste mesmo Dezembro de perdões magnânimos, Putin anunciou o fim da agência de notícias estatal RIA Novosti, respeitada apesar de semi-independente, e colocou à sua frente a mais sinistra figura da política russa a seguir, talvez, ao presidente do Comité de Assuntos Internacionais do Parlamento, que defendeu que a adesão da Ucrânia à União Europeia seria abrir a porta à "infiltração de europeus" que querem apenas "introduzir o alargamento da esfera da cultura gay" no país.

Os russos que chamam Putin II ao seu Presidente não estão longe da verdade.
 
 
 
 
 
 
 

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