Os neoboys de Passos e Portas

1 – Chama-se Bruno Maçães, tem um currículo académico brilhante, fez prova de vida nos blogues e, como muitos teorizadores da salvação nacional pela purga do Estado, o investimento deu frutos

Chegou ao gabinete de Passos e agora é secretário de Estado dos Assuntos Europeus. Bem se sabe que nos corredores do Terreiro do Paço pululam assessores, consultores, peritos, directores ou secretários de Estado da estirpe de Maçães. Ou seja, jovens que não sabem o que é uma empresa, que raramente ou nunca foram a Trás-os-Montes ou a Chelas, que raramente ou nunca andaram de autocarro, que certamente nunca tentaram perceber o drama das falências, do desemprego ou da emigração forçada. Esta semana, Maçães foi notícia por ter sido considerado na Grécia mais troikista que a troika, mais alemão que um panzer, mas quem conhece ao de leve esta nova elite de Passos e Portas não tem razão para se admirar. Há muito que o seu radicalismo messiânico se incrustou na pele da política do Governo, dando-lhe uma moldura ideológica que exige a criação de um admirável mundo novo sem Estado e com muitos empreendedores.

Numa conferência na Grécia, Maçães foi inquirido por jornalistas sobre a possibilidade de os países do Sul da Europa se juntarem numa espécie de frente de interesses comuns face à Alemanha. Ao que o secretário de Estado respondeu dizendo "não [ver] especialmente" benefícios numa qualquer união com a Grécia, Espanha, Itália ou mesmo França. Como seria de esperar, a imprensa grega desancou-o. Por cá, o ataque ampliou-se. Na sua coluna no Expresso, Daniel Oliveira vituperou a “pandilha” que fez do extremismo ideológico um programa. Na TVI, Constaça Cunha e Sá pegou nas suas declarações para o considerar um “lunático”. Mais comedido, Viriato Soromenho-Marques escreveu no DN que o secretário de Estado “ainda não atingiu aquele grau de estabilidade emocional e hormonal a que uns chamam maturidade e outros, simplesmente, juízo”.

Maçães não respondeu às críticas (limitou-se a um jocoso tweet em inglês, dizendo "A esquerda grega chama-me 'alemão'. Oh, não!") e em circunstâncias normais seria prudente ter dúvidas sobre o que terá dito e em que contexto o disse. Mas, no caso concreto, Maçães está apenas a ser coerente. Na sua mundividência feita de toneladas de teoria política e de meia dúzia de quadros em Excel, a troika é uma aliada e os custos do ajustamento não passam de danos colaterais. Não foi Maçães que escreveu que "a relação entre austeridade e recessão é muito menos directa ou evidente do que se pensa"? Não foi ele que disse que "a Constituição é, aparentemente, uma lotaria babilónia"? Não foi ele que um dia teorizou sobre a “armadilha do consenso”, elevando a exigência do Governo numa negociação prévia para evitar “oferecer a credibilidade e autoridade que Seguro nunca foi capaz de conquistar sozinho"? Não foi ele quem, de acordo com o Sol, escreveu o desastrado texto com que Passos comunicou a TSU a um país atónito pela sua insensibilidade?

Um secretário de Estado dos Assuntos Europeus que considera que o projecto de união bancária é um “projecto atractivo”, que reconhece a Alemanha como o lugar onde esse projecto se decide, que sabe, ou dever saber, das hesitações, ou resistências, que Merkel e o seu ministro das Finanças lhes movem, recusa uma união de interesses do Sul da Europa porquê? Um secretário de Estado que disse há pouco que “deveríamos estar a trabalhar noutros projectos a curto prazo, para facilitar o acesso das PME ao crédito, em países como Portugal, Irlanda, Grécia e Espanha, onde o acesso ao crédito é mais difícil e caro” não alinha numa convergência de posições com estes países com que argumento?

Só pode haver uma razão: porque essa tentativa de fazer qualquer coisa para alterar o diktat da austeridade salvífica contradiz a tese de quem, em 2011, esperava que “a intervenção externa, numa ou noutra forma, seja para durar”. O radicalismo da austeridade indiscutível, da submissão instrumental à troika, o ódio ao Estado, a sobranceria como olham Portugal e os portugueses são ingredientes que os levam a querer refundar o país em algo de novo, feito à sua imagem e semelhança. No fundo, no fundo, eles gostam do statu quo. O desemprego, o empobrecimento, as falências, os custos de financiamento, são como outrora o Gulag ou o Tarrafal: penitências que nos limparão a alma e nos conduzirão a uma “profunda democratização do regime”.

2 – Durante a primeira metade da década passada, os resultados do PISA, um monumental estudo internacional que avalia a literacia matemática, científica e de leitura de alunos de 15 anos, foi um dos argumentos a que o grupo antieduquês, no qual o actual ministro foi figura grada, recorreu para pedir mudanças profundas na educação. Doze anos e cinco avaliações depois, o PISA 2012 vem mostrar que os progressos conseguidos em Portugal foram assinaláveis. Não se duvida de que a apologia que Nuno Crato, Maria Filomena Mónica e, entre muitos outros, José Manuel Fernandes fizeram em favor de mais exigência na aquisição de conhecimentos, ou da necessidade de se avaliarem os professores, ajudou o sistema educativo a mudar para melhor.

Mas, no essencial, o que o estudo do PISA comprova é que o sistema educativo foi capaz de aceitar o repto e progredir. Como escreveu Fernanda Câncio no DN, “quando a OCDE ajusta os resultados ao nível socioeconómico dos estudantes, Portugal passa, em Matemática, do 23.º lugar para o 5.º. Atrás apenas da Coreia, do Japão, da Suíça e da Polónia. Cinco lugares à frente da Alemanha, sete à frente da Finlândia e 27 à frente da Suécia”. Face a estes dados, seria de esperar ver o ministro frente às câmaras da TV a rejubilar. Crato, porém, não o fez. Porque se o fizesse teria de reconhecer a vulnerabilidade do seu diagnóstico e o erro de muitas das suas propostas para a Educação. Porque teria de admitir que o fim do Estudo Acompanhado e da Área de Projecto pode ter sido um erro, que a sistemática revisão dos programas pode ser uma ameaça, que a guerra gratuita que mantém com as provas para professores contratados é uma extravagância.

3 – O PSD recusa uma comissão de inquérito ao processo de subconcessão da empresa dos Estaleiros de Viana. Como o PÚBLICO escreveu em editorial, é uma decisão errada, porque “o Parlamento é a sede natural para esclarecer tudo o que se passou até aqui”. Não, não se trata de saber se o Governo pecou por falta de transparência, não está em causa qualquer suspeita de comportamentos menos lícitos por parte de quem quer que seja. O que é preciso avaliar e saber são as razões que culminaram no estrepitoso falhanço de salvação da empresa e na obscena capitulação na defesa do interesse público.

Mesmo admitindo que manter um estaleiro na esfera do Estado é um absurdo, o que importa discutir são as responsabilidades de gestão que levaram a empresa à ruína. Quem foram os gestores, quem os nomeou, quem teve a ideia de desviar ou recusar encomendas para e porquê, são algumas das perguntas que os trabalhadores de Viana e todos os portugueses têm direito a saber. O que é inaceitável é o argumento de que este passo, o da subconcessão a troco de amendoins, era inexorável e ainda menos a tese de que, no fim do dia, o Governo fez um bom negócio. Não fez e, apesar de todas as dificuldades, tinha a obrigação de descobrir uma solução mais favorável. Se os estaleiros fossem a sucata que por aí se diz, a Martifer não tinha sequer aceitado levantar o caderno de encargos da subconcessão. 
 

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