O mundo-Brasil

O sociólogo brasileiro (e estadunidense) Roberto Mangabeira Unger costuma dizer que não há país no mundo mais parecido com os EUA do que o Brasil. É uma asserção que primeiro se estranha mas depois se entranha. O Brasil é diferente dos EUA em muitos aspectos, muitos deles ligados com a história de Portugal no Brasil, com a qual o país se unificou mais cedo, e se tornou independente mais tarde. Mas em muitos outros aspectos, o Brasil é de facto como uns Estados Unidos que resultaram de outra forma. Até no nome que já teve — o Brasil foi Estados Unidos do Brasil desde tempo da sua República Velha, em 1891, até à Ditadura Militar, em 1967, quando passou a ser só República Federativa do Brasil.

O Brasil é parecido com os EUA na forma federal, na dimensão, nos hábitos de consumo, na religiosidade, nas megalópoles, na auto-referencialidade cultural, e em muitas outras coisas, como no papel da televisão comercial na unificação do país.

Na interseção de tudo isso, o Brasil é parecido com os EUA também na ocorrência de grandes dinastias políticas. Num país de dimensão continental, um político de carreira é quase sempre um político regional, a não ser por alguma exceção, como a de ser filho ou neto de outro político que já tivesse reconhecimento nacional. Assim tínhamos nesta campanha presidencial Aécio Neves (neto do mineiro Tancredo Neves que ganhou a presidência na democratização do país e morreu antes de a ocupar), e Eduardo Campos, representante da dinastia pernambucana dos Arraes, cujo avô Miguel Arraes foi um famoso político da oposição democrática, deputado federal, prefeito de Recife e governador de Pernambuco. Há dinastias de direita — os Magalhães da Bahia e os Sarney do Maranhão, — e de esquerda, como os Brizola do Rio Grande do Sul (e também do Rio de Janeiro — Brizola foi o único político a ser governador de dois estados, e tem netos na política de ambos os estados) e até os Genro, também do Rio Grande do Sul (Tarso, pai, do Partido dos Trabalhadores, e Luciana, filha, do Partido Socialismo e Liberdade).

Tal como as grandes famílias políticas dos EUA, também as dinastias políticas brasileiras têm muitas vezes um lado trágico. Acidentes de avião e de automóvel, vidas promissoras ceifadas cedo, filhos chamados a substituir precocemente os pais na liderança das suas famílias-partido.

A brutal morte de Eduardo Campos vem baralhar o jogo na tentativa de criar um novo pólo na política brasileira, superando a dicotomia entre o PT de Lula-Dilma e o PSDB de Fernando Henrique Cardoso e Aécio Neves. Cabe agora a Marina Silva, que tentou sem sucesso formar um partido até ser convidada para vice de Eduardo Campos, tentar de novo a carta dessa “terceira via”.

Pois uma coisa em que o Brasil não é parecido com os EUA é no número de partidos. Nos EUA há dois — Democrata e Republicano. No Brasil são tantos que não é impossível encontrar candidatos que não saibam quantos são os partidos que os apoiam.

Diz-se que se os brasileiros soubessem mais sobre Portugal, conheceriam melhor o Brasil. Eu digo: se os portugueses soubessem mais sobre o Brasil, conheceriam melhor o mundo.

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