Uma equipa de combate político. Pela sobrevivência

A vida do seu executivo será um combate permanente no Parlamento para tentar cumprir uma série de compromissos imediatos que assumiu com os eleitores.

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1. Normalmente, quando há uma mudança de ciclo político, o novo Governo sucede a outro, desgastado pelo tempo ou por uma situação económica e social degradada. Não é, desta vez, exactamente o caso. O terceiro Governo do Partido Socialista caiu porque o primeiro-ministro se demitiu, na sequência de uma operação desencadeada pelo Ministério Público que lançou sobre ele uma suspeita e porque o Presidente da República decidiu convocar eleições. O Governo sofria do natural desgaste do tempo e do conjunto de “casos” que atingiram alguns dos seus membros. Podia contar, no entanto, com uma maioria parlamentar e com um bom comportamento da economia do país.

O novo executivo da AD assenta numa maioria muito relativa. Herda os cofres cheios do maior excedente orçamental da democracia. Tem cravada na pele, justa ou injustamente, a marca de um governo a prazo. É tradição nacional – contrariando o que acontece em muitos dos nossos parceiros europeus – que cada novo Governo aja como se quisesse reinventar a roda. Luís Montenegro fez uma campanha eleitoral descrevendo um país “empobrecido” e prometendo quase tudo a quase todos. Criou muitas expectativas. Justificou as suas promessas com um quadro macroeconómico bastante optimista, se tivermos em conta uma realidade europeia que aponta em sentido contrário. Não é, portanto, de estranhar que o elenco de ministros que acaba de apresentar corresponda a um governo de combate político, assente num núcleo duro de figuras do PSD que lhe são muito próximas. Percebe-se que não tenha querido arriscar. A vida do seu executivo será um combate permanente no Parlamento para tentar cumprir uma série de compromissos imediatos que assumiu com os eleitores – na saúde, na educação, nas forças de segurança, etc.. Tem pouco tempo para mostrar trabalho e consolidar apoio junto da opinião pública. Tem a dificuldade suplementar de incluir ministros com experiência política, mas não governativa.

2. Há, no entanto, escolhas que surpreendem. A primeira talvez seja a de Paulo Rangel, que surge na dupla condição de ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros. Compreende-se esta última qualidade. O primeiro-ministro indigitado não tem experiência europeia, que sobra a Rangel, numa altura em que a Europa vive uma das crises existenciais mais sérias da sua história – com a guerra na Ucrânia, a crise no Médio Oriente e a sombra que pesa sobre o futuro da aliança transatlântica. Rangel conhece esta nova realidade europeia e sabe como lidar com ela. Mas tudo leva a crer que Luís Montenegro o quer também para o combate político interno, no qual ganhou fama e proveito de grande virulência contra os adversários. A pasta da política externa exige discrição e preservação dos consensos entre os dois maiores partidos. Como vai Rangel conciliar estas duas facetas da sua personalidade, é uma interrogação.

A escolha do segundo ministro de Estado e das Finanças percebe-se. Foi um dos responsáveis pelo programa económico do PSD. Foi próximo de Rio, mas também de Montenegro. Não se conseguiu afirmar como líder parlamentar do PSD, nem no confronto político com o primeiro-ministro. Merece, também, um ponto de interrogação.

É mais discutível e problemática a única pasta que Montenegro deu ao CDS-PP. A União Europeia e a NATO vivem um conflito militar na sua fronteira Leste, de dimensões inigualáveis desde a II Guerra Mundial. A Defesa ganha uma importância muito maior. Nem os anos que passou em Bruxelas como eurodeputado retiraram a Nuno Melo uma “insustentável leveza” política que se adequa pouco ao ministério que vai chefiar. Melo pode ter o peso político que lhe advém de ser o líder do CDS que negociou a constituição da segunda AD. Está muito longe de ter a competência que a pasta hoje exige.

3. Montenegro prometeu resolver rapidamente os problemas mais urgentes de dois sectores fundamentais: a Saúde e a Educação. Pode tomar algumas medidas simpáticas para os respectivos profissionais. As reformas de fundo só se conseguem no médio prazo e com um amplo consenso social e político. Os dois sectores estão em profunda transformação em todas as democracias desenvolvidas, nomeadamente na Europa, porque mudou a realidade social a que têm de dar resposta. A escolha da anterior presidente do conselho de administração do Hospital de Santa Maria (e do Centro Hospitalar de Lisboa-Norte), Ana Paula Martins, pode trazer conhecimento técnico, mas também alguma agitação. Foi polémica a sua gestão do maior hospital do país. Discorda da reforma estrutural lançada pelo último Governo de António Costa. Pode cair facilmente na tentação de querer começar tudo de novo.

Todos os governos merecem um tempo de “estado de graça” para mostrarem o que valem. A fragilidade de partida do próximo, que advém de um quadro parlamentar fragmentado e instável, vai certamente encurtá-lo.

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