Estima-se que Portugal já tenha 30 mil casos da variante do Reino Unido

Tendo em conta dados da semana passada, a prevalência da variante encontrada no Reino Unido em Portugal é de 13%.

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Sanford Burnham Prebys Medical Discovery Institute

Identificada em Portugal ainda em Dezembro, a variante inicialmente detectada no Reino Unido tem sido uma preocupação pelo seu potencial de maior transmissão em relação às outras variantes em circulação. Uma das grandes questões tem sido sobre qual será já prevalência em Portugal. Esta semana, na RTP, o secretário de Estado Adjunto e da Saúde, António Lacerda Sales, tinha referido que esta variante “é uma questão importante e que tem uma prevalência na ordem dos 13%, o que é significativo”. Esta é uma estimativa baseada em dados de 11 a 17 de Janeiro de um estudo que analisou a prevalência da variante em Portugal. Em comunicado divulgado esta quarta-feira à noite, o Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (Insa) estima que, desde o início de Dezembro, tenham sido registados, a circular em Portugal, um acumulado de cerca de 30 mil casos com a variante. 

A prevalência de 13% avançada pelo secretário de Estado da Saúde vem de um estudo ainda em pré-publicação e depositado no site Virological.org. Este foi um trabalho desenvolvido por investigadores do Insa – responsável pelo estudo sobre diversidade genética do SARS-CoV-2 em Portugal – e da Unilabs-Portugal. 

No estudo disponível no Virological.org quis perceber-se qual a prevalência da variante encontrada no Reino Unido designada “linhagem B.1.1.7” numa amostra de cerca de 27 mil casos positivos recolhida pela Unilabs, laboratório de análises clínicas. O espaço temporal da investigação vai desde o início de Dezembro até à segunda semana de 2021. Para se saber essa prevalência, usou-se uma ferramenta em tempo real, que foi desenvolvida pelo Insa e pela Unilabs. Nessa ferramenta, através da sequenciação genómica, determinou-se uma “correlação forte entre a falha na detecção do gene S em alguns testes de diagnóstico e a presença da variante do Reino Unido, com um valor preditivo acima dos 95%, permitindo estabelecer a prova de conceito da validação da utilização deste gene para a identificação da “variante do Reino Unido”, explica o Insa no comunicado.

Verificou-se então que, na segunda semana deste ano, a prevalência da variante era de cerca de 13,3% na amostra estudada, ou seja, dentro desses casos positivos. E se extrapolarmos esta prevalência para todos os casos positivos diagnosticados no país, o que poderíamos esperar? “Podemos extrapolar que, durante a semana 2 (de 2021), cerca de 8000 dos 59.951 casos de covid-19 confirmados em Portugal foram causados pela variante VOC 202012/01 (linhagem B.1.1.7)”, lê-se no trabalho científico.

Tendo em conta a amostra, também se verificou que há um aumento de 70% na proporção desta variante por semana. Isto porque, ao longo do período estudado, a prevalência aumentou de cerca de 1% para cerca de 13%. Se esta taxa de crescimento se mantiver e não se fizer nada, prevê-se então que a prevalência da variante nos casos positivos possa ser de 60% na quinta semana do ano, que corresponde à primeira semana de Fevereiro de 2021. 

No comunicado, o Insa estima que sejam já 30 mil casos desde o início de Dezembro. Porquê? Neste estudo, foram identificados cerca de 2100 casos positivos com esta variante nas cerca de 27 mil amostras positivas ao SARS-CoV-2. Sabe-se ainda que a Unilabs tem cerca de 7% dos testes realizados. Uma vez que houve 2100 casos positivos à variante e como a Unilabs faz 7% dos testes de diagnóstico no país, se se extrapolar para 100% dos testes realizados, então obtém-se os 30 mil casos. 

Fazendo as contas e extrapolando agora nós, qual a taxa de prevalência desta variante que poderíamos encontrar na terceira semana do ano, aquela em que estamos? Se essa taxa de 70% se tiver mantido e se a dinâmica da infecção for a mesma do que antes das medidas de confinamento, então na terceira semana de Janeiro deverá existir uma prevalência da B.1.1.7 em 20% dos casos positivos, tendo por base as contas do estudo. Se essa prevalência se vier a aplicar a todos os casos positivos identificados em Portugal, isso corresponderá a 200 casos em cada 1000 positivos.

No comunicado do Insa, adianta-se ainda que a frequência relativa da variante em Portugal não depende do número de infectados. Isto é, como é mais transmissível, aumentará naturalmente ao longo do tempo mesmo que o número de casos diminua. “Em face desta realidade, é da maior importância o cumprimento escrupuloso das medidas de confinamento decretadas”, recomenda-se.

Vai dominar no país? 

“Um crescimento de 70% por semana é muito preocupante”, reage ao PÚBLICO Luís Menezes, presidente da Unilabs, que participou neste estudo. Portanto, isto quer dizer que a variante se tornará dominante em Portugal? “Não sou especialista, mas o que este estudo mostra e o que os especialistas em epidemiologia dizem é que, nas próximas semanas, esta estirpe pode chegar aos 60% de prevalência [nos casos positivos], sendo uma estirpe dominante no nosso país”, responde o economista.

Quanto à parceria da Unilabs com o Insa e a Direcção-Geral da Saúde (DGS), Luís Menezes refere que é para manter “com ainda mais recursos”. “Vamos pôr mais recursos internos para apoiar e monitorizar o crescimento desta estirpe nas próximas semanas”, assinala. Através dessa parceria, foi precisamente criada uma plataforma de dados que permite ao Insa e à DGS monitorizar em tempo real a prevalência e a distribuição geográfica da variante, o que possibilitou agora analisar a prevalência da variante em Portugal.

No último relatório do Insa sobre a diversidade genética em Portugal, que é de 12 de Janeiro, foi referido que se detectaram 72 casos associados à B.1.1.7 no país. Contudo, o estudo na base desse tipo de relatórios, actualizados regularmente, não tem como objectivo detectar a prevalência de casos com a variante em Portugal, mas sim saber quantas variantes circulam no país. 

Ainda no artigo agora divulgado, a equipa refere que, embora resultados discordantes já tenham sido apresentados, os dados recolhidos sugerem que as pessoas com esta variante “têm mais probabilidade de ter elevadas cargas virais na altura da amostragem”. Refere-se ainda que “Portugal está a enfrentar uma situação epidemiológica altamente preocupante”. “Os nossos dados apontam que a altamente transmissível VOC 202012/01 (linhagem B.1.1.7) está a aumentar progressivamente e a sua frequência reforça a necessidade de pôr em prática medidas de saúde pública robustas em Portugal para mitigar o impacto da doença covid-19 em termos de hospitalizações e mortes”, alerta-se no artigo.

Até ao momento, salienta-se no comunicado, os dados acumulados mostram que não existe diferença na distribuição etária dos casos de covid-19 com e sem a variante. “Para ambos os grupos, as faixas etárias mais atingidas são dos 20 aos 50 anos”, refere-se. 

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