Países do Mercosul não querem Venezuela na presidência do bloco

Argentina, Brasil e Paraguai movimentam-se para travar entrega do comando da aliança comercial a Nicolás Maduro.

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Maduro, o "elefante" na sala do Mercosul Carlos Garcia Rawlins/Reuters

A poucos dias de a presidência do Mercosul ser entregue à Venezuela, é a crise política neste país, e não os reflexos do abrandamento económico na região ou o impacto do “Brexit” na conclusão do acordo de livre comércio com a União Europeia, que está a consumir os membros desta aliança comercial que integra os países sul-americanos.

Inconformados com a perspectiva de ter o Presidente Nicolás Maduro a dirigir as negociações em nome do Mercosul, os governos da Argentina, Paraguai e Brasil têm-se movimentado para travar a transferência da presidência rotativa, que estava nas mãos do Uruguai, para a Venezuela. Por causa das regras que obrigam a decisões por consenso, esses esforços deverão sair gorados. Mas tentativas já atestam a divisão interna do bloco, que corre o risco de ver a sua acção paralisada.

Agendada para 12 de Julho, a habitual cimeira semestral regional, onde se processa a transferência da autoridade de um sócio para o outro, foi cancelada, e um conselho dos Negócios Estrangeiros foi marcado para a véspera. A razão apontada foram as “condições políticas particulares que vivem alguns dos sócios” – uma referência ao Brasil, que tem em funções um Governo interino enquanto corre o processo de destituição da Presidente Dilma Rousseff, e também à Venezuela, a braços com uma profunda crise.

O ministro interino dos Negócios Estrangeiros do Brasil, José Serra, viajou na quarta-feira para Montevideu (Uruguai) numa tentativa de reunir apoios para protelar a passagem de testemunho para Caracas. A sua proposta é manter tudo como está durante pelo menos mais um mês, para que o grupo possa discutir especificamente a “questão” venezuelana: embora em teoria a discussão tenha a ver com matérias burocráticas e normativas e regras cambiais, o que interessa aos membros é abordar a situação política interna.

Os opositores a Maduro têm um argumento de peso para travar a mudança da presidência – simbólica— do Mercosul: segundo dizem, não faz sentido que seja a Venezuela, que nem sequer cumpriu todos os termos de adesão ao bloco (por exemplo, as regras alfandegárias), a liderar o complexo e delicado processo negocial com a União Europeia – um processo aberto há vinte anos e que se encontra num momento crucial.

Mas essa lógica tem uma fragilidade: nenhum dos sócios do Mercosul se mostrou especialmente incomodado com o facto de Caracas, que aderiu ao grupo em 2012, não ter subscrito o acordo tarifário. E ninguém (nem os cinco membros plenos e nem os Estados associados) nunca levantou essa objecção quando a Venezuela assumiu a presidência do bloco, em 2013.

“A Venezuela tornou-se o grande elefante na sala. Ninguém quer aparecer na fotografia ao lado de Nicolás Maduro”, comentou ao El País o professor de Relações Internacionais, Oliver Stuenkel, da Fundação Getúlio Vargas.

Para já só o Paraguai disse preto no branco aquilo que os seus aliados tentam deixar subentendido nas entrelinhas: que o Governo de Nicolás Maduro não tem a idoneidade necessária para liderar o bloco, não só pela sua incapacidade de responder à vertiginosa crise económica que consome o país, mas também pelo seu autoritarismo e desrespeito das regras democráticas.

O Governo de Assunção avançou com a possibilidade de aplicar a cláusula democrática do Mercosul – uma medida semelhante à que já foi accionada pela Organização dos Estados Americanos, e que poderá resultar na suspensão da Venezuela desse fórum multilateral. “Temos que pensar seriamente no que deve ser a presidência do Mercosul, e não podemos ignorar que a situação na Venezuela se torna mais complicada a cada dia. O país que lidera o grupo tem de ter a calma interior e a paz necessária para poder corresponder aos desafios que temos pela frente”, observou o ministro paraguaio dos Negócios Estrangeiros, Eladio Loizaga.

O Uruguai veio entretanto deitar alguma água na fervura, sublinhando que até agora não se constatou nenhuma “interrupção da ordem democrática” na Venezuela, e logo, nenhum impedimento à transferência da presidência do bloco económico tal como prevista nos estatutos.

A ideia do compasso de espera surge como forma de aumentar a pressão sobre o Governo de Nicolás Maduro, que é acusado pelos seus parceiros regionais de manter presos políticos e de consciência, e de reprimir a oposição. Se, nas próximas semanas, as autoridades venezuelanas bloqueassem definitivamente a convocação de um referendo revogatório do mandato de Maduro requerido pela oposição, por exemplo, os líderes vizinhos poderiam mais legitimamente levantar as questões de governação como impedimento.

Embora, ressalvou José Serra, não tenha sido por isso que propôs o adiamento da entrega do comando do Mercosul, mas para que Caracas decida finalmente acatar as regras e “cumprir com as exigências” a que se comprometeu aquando da integração no grupo.

Independentemente da intenção, a reacção de Caracas surgiu de imediato, com a ministra dos Negócios Estrangeiros, Delcy Rodríguez, a apontar a “insolência” do ministro brasileiro, que exerce o cargo na sequência de um “golpe que vulnera a vontade de milhões de cidadãos que votaram na Presidente Dilma”, acusou. “O ministro José Serra soma-se à conspiração da direita internacional contra a Venezuela, pondo em causa os princípios básicos que regem as relações internacionais”, lamentou.

 

 

 

 

 

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