Catarina Martins: Governo também “põe uma série de pedras no caminho”

Diz que “a maioria só fica em causa se o OE de 2017, em vez de recuperar os rendimentos do trabalho, os atacar”. Sente-se desiludida com a forma como o Governo olha para a Cultura. Recorda que quando lhe falaram em coordenação no BE, achou que se tinham enganado, nunca tinha pensado fazer isto.

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Catarina Martins falou sobre assédio moral no emprego Nuno Ferreira Santos

Ao mesmo tempo que faz um elogio, tece uma crítica. A porta-voz do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, olha “para o Governo do PS como o que o BE apoia para recuperar rendimentos, mas também como o que põe uma série de pedras no caminho e faz com que não seja possível haver investimento para criar emprego”.

As afirmações são feitas nesta quinta-feira numa entrevista ao Diário de Notícias. Nela são abordados vários temas, do funcionamento da geringonça que Catarina Martins já considera uma palavra “engraçada” às autárquicas, passando pelo novo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.

Sobre a direita, por exemplo, a porta-voz diz que “não sabe muito bem o que está a fazer porque tinha um projecto comum e entretanto o CDS está a tentar distanciar-se apresentando outro diferente”.

Já acerca do entendimento à esquerda, reafirma o que tinha dito nas jornadas parlamentares que decorreram nesta semana no Alentejo. Em Évora, disse que o Bloco cá está para esticar a corda que mantém uma maioria que recupera rendimentos. Questionada sobre se a corda resistirá mais três anos e meio, responde que, “se estiver esticada”, resiste. “Se não formos exigentes, não há recuperação de rendimentos. Se cedermos, o que fica é o projecto da Comissão Europeia para Portugal, e esse é continuar a cortar a quem vive dos rendimentos do trabalho”, diz.

A deputada explica que “a maioria parlamentar assenta na recuperação de rendimentos do trabalho e esta tem de ser feita todos os anos”. E acrescenta: “Se no próximo orçamento não conseguirmos responder a quem vive do seu trabalho, as pessoas vão perder rendimentos, mais que não seja pela inflação. Se a dívida não for renegociada e não se alterar a relação com o sistema financeiro, o país não tem margem de manobra para o investimento necessário para criar emprego.”

Este é o risco que existe, justifica: “Há um risco sobre a maioria, que não é o Bloco que cria, que é a vulnerabilidade externa do país, e portanto não vamos desistir de fazer caminho em Portugal para debater, criar força para um caminho que proteja o país dessa vulnerabilidade externa.”

Catarina Martins foi ainda questionada sobre se o BE é visto como uma bomba-relógio que a qualquer momento pode explodir com a maioria.Não tenho a ideia de que as pessoas olhem para o Bloco como factor de instabilidade política. Olham como uma garantia para a defesa de quem vive do trabalho, da pensão, do salário e combate a precariedade, como uma garantia para a sua vida.” A pergunta seguinte é mais incisiva, os jornalistas quiseram saber se o Governo também vê assim os bloquistas. É neste ponto que a deputada responde: “Eu olho para o Governo do PS como o que o BE apoia para recuperar rendimentos, mas também como o que põe uma série de pedras no caminho e faz com que não seja possível haver investimento para criar emprego.” Ao longo da entrevista, a deputada diz ainda que “a maioria só fica em causa se o Orçamento de 2017, em vez de recuperar os rendimentos do trabalho, os atacar”.

Cavaco, homem de afectos?

Há muito que o Bloco defende a renegociação da dívida, em certas condições: “Uma renegociação nas condições que neste momento a Europa impõe é má, e é por isso que o BE defende uma renegociação da dívida conduzida pelo Governo e que não fique dependente das condições europeias – ficar é o que está a acontecer na Grécia. O exemplo grego demonstra que esperar uma solução europeia, no quadro actual de relações de força da União Europeia, destrói a nossa economia. A reestruturação tem de ser conduzida pelo Governo português.”

A propósito da moção que o BE leva à convenção, na qual defende que qualquer governo deve estar preparado e mandatado para tudo, questionada sobre se esse “tudo” inclui uma eventual saída do euro, Catarina Martins responde que, “quando uma moeda não serve uma economia mas a destrói, se calhar” há “um problema”. E explica porquê: “Qualquer governo que leve a sério as questões da democracia, ou seja, as questões da soberania popular – que é eleito para representar um povo e não para representar interesses económicos à conta desse povo –, tem de começar a pensar em que futuro pode ter uma moeda que, em vez de servir e ser um instrumento de uma economia, passou a destruir economias. Esse é um pensamento que não deve ser só do nosso país.”

Já sobre as semelhanças e diferenças entre Marcelo Rebelo de Sousa e o anterior Chefe de Estado, Cavaco Silva, há uma passagem em que Catarina Martins afirma que afectos – palavra associada à campanha e ao mandato do actual Presidente – “é algo que exige proximidade, conhecimento pessoal” e que “ser mais ou menos simpático não é afecto”.

E acrescenta mesmo: “Não faço a mínima ideia do quão afectuoso é Cavaco Silva, não tenho nenhuma relação pessoal com ele, mas longe de mim dizer que não é um homem de afectos com os seus netos, não faço ideia. É profundamente injusto dizer que Cavaco Silva não é um homem de afectos. A forma como encaramos a democracia e o exercício dos cargos não nos deve levar a fazer juízos sobre as pessoas.”

Quanto ao Governo, admite que “há um ministério que tem um problema, o da Cultura, com um orçamento praticamente inexistente”. Ressalva que tal “pouco tem” a ver com o actual ministro ou o anterior. A conclusão é outra: “É uma enorme desilusão a forma como este Governo olha para a Cultura.”

Já sobre autárquicas, reafirma que “o normal” é o Bloco ter candidaturas próprias e também admite formatos de “geringonças” locais.

A entrevista termina com Catarina Martins a dizer que “gostaria que existisse uma maioria em Portugal capaz de um confronto com as instituições europeias, que permitisse um Governo com a força e a legitimidade popular para renegociar a dívida e ter o controlo público da banca”.

Política à parte, confidencia que, “do ponto de vista pessoal” nunca se imaginou a fazer nada do que faz hoje. “Na altura em que o Francisco Louçã se afastou e falaram comigo para uma solução de coordenação com João Semedo, achei que se tinham enganado, era uma coisa que nunca tinha pensado fazer na minha vida.”

E, no entanto, a convenção deverá torná-la líder única do BE, quando desde 2012, com a saída de Louçã, não havia um só coordenador. Sobre isso, a porta-voz não desmente, diz apenas: “Nunca serei dona de coisa alguma, muito menos de um partido.”

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