O financiamento da RTP
Porque não pagarão a Contribuição para o Audiovisual os cidadãos que não dispõem de televisão por subscrição?
Após negociações com o PCP e o BE, o PS alterou o seu programa de governo. Uma dessas modificações consiste em “retirar da fatura da energia elétrica a Contribuição do Audiovisual e incorporá-la no universo das comunicações sem perda de receita para a RTP”.
Discordo desta alteração, que poderá provocar graves problemas no modelo de financiamento da RTP.
Em primeiro lugar, porque aparentemente o financiamento deixará de abranger tendencialmente o universo dos lares. Uma das caraterísticas do modelo europeu de serviço público é precisamente a sua ligação a toda a população. Há dias, no Financial Times, Martin Wolf, um conceituado jornalista inglês, sublinhava que “a BBC não é propriedade da elite. Pertence ao povo porque é ele que o paga diretamente”. De facto, na generalidade dos países europeus – Holanda, Hungria, Bulgária, Chipre e Espanha constituem as principais exceções - o operador de serviço público é financiado por uma taxa paga pelo universo da população. Variam as formas de cobrança (fisco, o próprio operador, os correios, as companhias de eletricidade, como na Grécia, Roménia, Turquia, Portugal e, em breve, na Itália, os operadores de comunicações, casos da Bósnia e do Montenegro), mas a sua cobrança abrange sempre, pelo menos tendencialmente, o universo dos cidadãos.
Em segundo lugar, porque as empresas de telecomunicações farão obviamente repercutir o atual montante global da Contribuição para o Audiovisual (CAV), cerca de 167 milhões de euros, nas faturas dos seus clientes para assegurar que não haverá “perda de receita para a RTP”. Isso significa que o financiamento da RTP será assegurado pelos utilizadores das redes de comunicações que, sendo em número inferior aos clientes das redes elétricas, acabarão por pagar, cada um deles, uma verba bem superior à atual CAV. Se o critério for o dos lares com televisão por subscrição (3,43 milhões), cada uma das famílias passará a pagar 4,35 euros mensais, em vez dos atuais 2,81 euros: um aumento de 54,8%! Sublinhe-se que esta verba não inclui ainda a comissão (atualmente de 3,3 cêntimos) paga às empresas que procedem a cada cobrança da CAV.
Em terceiro lugar, porque esta solução coloca problemas de constitucionalidade em sede de igualdade fiscal. Porque não pagarão a CAV os cidadãos que não dispõem de televisão por subscrição? Apenas por se presumir que são os que dispõem de menos rendimentos?
Em quarto lugar, porque o modelo de financiamento através da CAV por cada lar e da publicidade comercial, limitada à RTP1 e aos serviços televisivos temáticos, regionais e internacionais, é, além de mais equitativo, bem mais previsível do que a mudança que se projeta. É admissível que muitos dos atuais clientes dos operadores de comunicações prefiram, perante este aumento, abdicar do consumo de alguns dos serviços. E não é possível administrar uma empresa como a RTP sem poder antecipar de forma criteriosa as verbas disponíveis a médio prazo.
Recorde-se, aliás, a bem complexa história do modelo de financiamento da RTP. Até 1991, quando terminou a sua fase monopolista, a RTP beneficiava das receitas publicitárias e da taxa de televisão. Nesse ano, ao mesmo tempo que via reduzirem-se as suas receitas comerciais à medida que a SIC e a TVI iam ganhando audiências, a RTP viu a taxa de televisão ser extinta e substituída por indemnizações compensatórias inscritas no Orçamento de Estado, que os governos foram atribuindo anualmente, de forma todavia inconstante e quase sempre em montante insuficiente. Esta fase de endividamento crescente terminaria em 2003, com a integração da RDP (e da taxa, então convertida em CAV) e o aumento das verbas atribuídas à empresa no âmbito de um plano de restruturação da dívida, que até agora tem sido cumprido. Há 2 anos, o Governo decidiu anular as indemnizações compensatórias. A RTP passou a ser financiada sobretudo pela CAV e pela publicidade comercial, que apenas é emitida pela RTP1, de forma limitada, e em alguns dos seus restantes serviços televisivos. Recorde-se igualmente a ausência de um consenso duradouro sobre o serviço público de televisão. Nos últimos 15 anos, por duas vezes, o PSD tentou, sem êxito, privatizar um dos canais televisivos; CDS/PP, PCP, BE e Verdes votaram frequentemente contra as normas do Orçamento do Estado que estabeleciam o montante da CAV, mesmo quando este não era sequer aumentado…
Em quinto lugar, porque, mesmo que se considere que algumas famílias não deveriam ser obrigadas a pagar mensalmente 2,81 euros pela CAV, seria bem preferível que fosse criado um novo critério de isenção do pagamento relacionado com os rendimentos dessas famílias e não com o consumo de serviços de comunicações. Ao mesmo tempo, tal como foi proposto pela anterior administração da RTP, poderia aumentar-se a CAV paga pelas médias e grandes empresas, onde um número elevado de pessoas tem acesso aos conteúdos do serviço público pelo mesmo preço que é pago por qualquer lar. Recorde-se que, atualmente, estão apenas isentos os lares com um consumo inferior a 400 quilowatts por ano e as instalações elétricas relativas a explorações agrícolas.
Professor universitário