Acesso a serviços de saúde mental é deficiente em Portugal

As regiões do Alentejo e do Algarve, com as taxas de suicídio mais elevadas, são as que têm mais carências.

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Os psiquiatras costumam queixar-se de que a saúde mental é o parente pobre da saúde em Portugal. Um estudo sobre o Acesso e Qualidade nos Cuidados de Saúde Mental realizado pela Entidade Reguladora da Saúde (ERS) vem dar-lhes razão, ao concluir que a maior parte da população portuguesa reside em regiões de acesso considerado “baixo”, ou a mais de 40 minutos de viagem de serviços públicos de psiquiatria.

A agravar o quadro, no acesso a cuidados públicos de saúde mental são muitas as assimetrias identificadas a nível nacional, com a região do Alentejo, justamente a que tem a taxa de suicídios mais elevada do país, a apresentar a maior proporção de população carenciada. Considerando apenas os serviços públicos de saúde mental, são 82% os habitantes desta região com nível de acesso classificado como "baixo" (menos de quatro psiquiatras por 75 mil habitantes) ou a residir a mais de 40 minutos de viagem de um estabelecimento, indica o estudo da ERS que foi divulgado esta sexta-feira. Um exemplo paradigmático é o facto de não haver psiquiatras na Unidade Local de Saúde do Litoral Alentejano.

No resto do país, metade da população que reside na área da Administração Regional de Saúde (ARS) de Lisboa e Vale do Tejo também tem um nível de acesso considerado baixo, enquanto no Norte essa percentagem sobe para 58%. No atendimento a crianças e jovens a situação é ainda pior, sobretudo na região do Algarve, onde não existe qualquer serviço de psiquiatria especializado para doentes nestas idades, conclui a reguladora. Em Portugal, aliás, só as regiões do Norte e de Lisboa e Vale do Tejo dispõem de internamento para crianças e jovens.

Mas se o Algarve e o Alentejo são as regiões mais carenciadas, o estudo da ERS indica que os problemas são generalizados a nível nacional: em todo o país apenas uma ínfima minoria (1,3%) tem acesso a cuidados de saúde mental considerado "alto", percentagem que baixa para apenas 0,3% na psiquiatria da infância e da adolescência.

Do ponto de vista dos recursos humanos, a situação é preocupante em todas as regiões do país. Apesar de Portugal ser um dos países da Europa com maior prevalência de perturbações psiquiátricas, com mais de um quinto da população (22,9%) a sofrer de algum tipo de perturbação mental (dados de 2012), os rácios de profissionais de saúde por habitante nos estabelecimentos públicos estão abaixo dos definidos pela Direcção-Geral da Saúde há já duas décadas (1995). 

A ERS recorda, a propósito, uma avaliação da Organização Mundial da Saúde que, em 2011, concluía que o número de enfermeiros e psicólogos a trabalhar em saúde mental era extremamente baixo, comparativamente com os padrões europeus.

Estas carências verificam-se num país em que os reinternamentos e a taxa de segundos episódios por problemas de saúde mental aumentaram, ainda que de forma ligeira, entre 2012 e 2013, um indicador de qualidade que pode indiciar um tratamento mal sucedido ou uma alta hospitalar precoce. Já nas taxas de suicídio não houve, nestes anos, variações significativas, mas há diferenças regionais, com as administrações regionais de saúde do Alentejo e do Algarve a apresentarem as taxas mais elevadas.

Os problemas e as lacunas já estão identificados desde há anos mas persistem, apesar de Portugal ter um Programa Nacional para a Saúde Mental (2007-2016), que, já sua recta final, continua com muitas medidas por concretizar. Há “um desfasamento no cumprimento dos objectivos definidos, concretamente no que se refere à  implementação da rede de cuidados continuados integrados de saúde mental” e ao “desenvolvimento de uma política de avaliação e garantia de qualidade dos serviços”, destaca a ERS.

O estudo identifica alguns dos “constrangimentos estruturais” que terão dificultado a concretização deste plano, nomeadamente o modelo de financiamento e a “falta de clareza na distribuição de responsabilidade entre os diversos intervenientes“ (os estabelecimentos de saúde mental em Portugal são do sector público e do sector social que tem convenções com o Estado e ainda alguns privados).

A ERS nota ainda que o sucesso do processo de desinstitucionalização iniciado com o encerramento do Hospital Miguel Bombarda (Lisboa) "não foi acompanhado da criação de novas estruturas", como estava preconizado no referido plano, apesar de terem sido criadas algumas “alternativas residenciais” para os doentes antes internados. 

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