Exames para diagnosticar cancro do intestino em risco nos privados

Concurso visa baixar preço das colonoscopias com sedação para valores que a Ordem dos Médicos considera demasiado baixos. Ministério diz que processo não está fechado.

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Há um ano, o Ministério da Saúde decidiu passar a comparticipar a sedação das colonoscopias e autorizou o pagamento de mais exames no sector privado PÚBLICO/Arquivo

Em Abril de 2014, o Ministério da Saúde comprometeu-se a aumentar o número de colonoscopias após a divulgação do caso de uma doente que aguardou mais de um ano num hospital público por este tipo de exame que permite diagnosticar cancro do intestino. Passou a comparticipar as colonoscopias com sedação nas unidades privadas com acordos com o Estado e anunciou que ia avançar com mais uma série de medidas para contornar o problema da dificuldade de resposta dos hospitais públicos.

Uma destas medidas passava precisamente pelo aumento dos acordos (convenções) com os privados.  Mas o concurso que abriu este ano para alargar o universo de unidades convencionadas pode ter um efeito perverso. A Ordem dos Médicos (OM) defende que o acesso a este tipo de exames vai piorar porque o preço proposto para as colonoscopias com sedação é inferior ao que é pago actualmente (e que foi estabelecido há um ano pela tutela), não chegando sequer para suportar as despesas.

Garantindo que o concurso “ainda não está fechado”, o Ministério da Saúde(MS)  responde que não é seu objectivo “complicar” a situação nem prejudicar os cidadãos. Esta polémica apenas visa “fazer pressão” por causa dos preços, sustenta uma fonte do MS.

Segundo a Ordem dos Médicos, porém, o concurso termina em 10 de Abril próximo e surge na sequência de um despacho que já foi posto em causa devido às exigências requeridas às unidades que pretendam passar a ter acordo com o Estado para a realização de colonoscopias. “Há uma série de cláusulas que são absolutamente impossíveis de cumprir e que não existem em mais nenhum país do mundo”, sublinha o presidente do colégio da especialidade de gastrenterologia da OM, José Cotter. Considerando que o despacho apresenta tantas “exigências” (por exemplo, sobre a climatização das salas e a desinfecção dos equipamentos) que as clínicas teriam que ser “hotéis de cinco estrelas” para poderem candidatar-se, o bastonário da OM chegou mesmo a mandar uma carta para o secretário de Estado da Saúde a reclamar a sua alteração.

Menos 20 euros
Há um ano, o Ministério da Saúde decidiu passar a comparticipar a sedação das colonoscopias e autorizou o pagamento de mais exames no sector privado, depois de ter chegado a admitir a hipótese de pagar horas extraordinárias aos médicos para fazerem mais exames nos hospitais  públicos. Com a comparticipação da sedação, “houve um afluxo maior”, reconhece José Cotter. Só que, com os hospitais públicos sem capacidade para dar resposta aos casos encaminhados pelos centros de saúde, face aos valores agora propostos, muitas clínicas e hospitais privados não vão estar interessados em participar neste concurso, repete.

Pela tabela actual, uma colonoscopia com sedação é paga a cerca de 170 euros pelo Estado, enquanto, pelo preço máximo agora proposto, "passará a ficar por menos 15%, perto de 150 euros", calcula. “O concurso não é apelativo. Além de o processo tecnológico ser complexo, [fazer uma colonoscopia com sedação] implica a presença de gastrenterologista, anestesista, enfermeira, auxiliar”, explica.

“O preço já era o mínimo dos mínimos para se fazer uma colonoscopia com segurança”, diz o médico que nota que a OM alertou “atempadamente” os responsáveis do ministério para este problema. “Houve duas reuniões e promessas que não se concretizaram", lamenta José Cotter, que nota ainda que está previsto um “ridículo leilão” no final.  “Parece que estamos numa feira”, ilustra.

Por que é que os hospitais públicos não conseguem dar resposta?  “O grande problema é que os hospitais estão cheios, trabalham para os seus doentes”, explica o presidente da Sociedade Portuguesa de Gastrenterologia, Leopoldo Matos. Ao mesmo tempo, "a população está mais esclarecida" e há cada vez mais pessoas com mais de 50 anos [idade a partir da qual as guidelines internacionais indicam que se deve fazer um exame de diagnóstico]. “Os centros de saúde começam a utilizar os métodos de pesquisa do sangue oculto nas fezes e a avaliar a história familiar, o que induz cada vez mais exames deste  tipo”, acrescenta.

“Como este exame é invasivo e desconfortável, foi uma grande decisão comparticipar a sedação”, acentua Leopoldo Matos. O problema, agora, é que não há muitos locais que façam colonoscopias, sobretudo na Grande Lisboa, porque há poucos convencionados (as convenções estavam fechadas) e os que existem têm uma capacidade de resposta diminuta,  uma vez que não fazem só este tipo de exames. 

José Cotter acrescenta que há também dificuldades de resposta em algumas zonas do interior do país.

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