A região onde a crise bateu mais forte e os socialistas fundaram um regime

A Andaluzia mudou muito nas últimas três décadas mas a crise trouxe de novo à superfície as antigas vulnerabilidades.

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A candidata do Podemos, Teresa Rodríguez, acredita na mudança GOGO LOBATO/AFP

Os andaluzes festejaram a chegada da democracia na miséria e com poucas opões para sair dela para além da emigração. Com 90% da terra nas mãos de 2% da sua população, a Andaluzia tinha ficado à margem dos processos industriais dos anos 1960 e 1970, tanto por decisão do franquismo (a repressão fez 50 mil vítimas na região) como por opção da suas elites, contentes em continuarem senhores de terras sem fim onde davam de comer a muito poucos.

“A guerra civil acentuou um domínio classista, de caciques que usavam a fome como castigo e arma repressiva”, escreve o romancista e professor de Literatura da Universidade de Granada Luis García Montero na edição de Março da revista Tinta Libre.

Estas condições explicam em parte como é que o PSOE se manteve no poder desde 1982 e por que é que a direita nunca conseguiu ser governo – mesmo se já controla as câmaras municipais das oito capitais de província.

Foram os socialistas que negociaram o estatuto de autonomia andaluza na Transição e, segundo um inquérito do Centro de Estudos Andaluzes publicado em Fevereiro, 74,4% dos andaluzes identifica a autonomia com o Estado social – e a autonomia é sinónimo de PSOE. Isto é particularmente verdade no mundo rural, onde a direita ainda é identificada com os grandes latifundiários – o actual líder do PP, Juan Manuel Moreno, procura afastar-se dessa imagem, é filho de emigrantes e descreve-se como humilde.

Para ajudar, a direita espanhola tem dificuldade em compreender que uma região recuse dar-lhe o seu voto e uma tendência para humilhar os seus habitantes, sendo célebres declarações antigas e recentes, desde o catalão Jordi Pujol, que ainda jovem descreveu os andaluzes como vivendo “num estado de ignorância e de miséria cultural e espiritual”, à ex-ministra de Mariano Rajoy Ana Mato, para quem na Andaluzia “as crianças são praticamente analfabetas”. Já nesta campanha, logo no arranque, o líder do partido Cidadãos, Albert Rivera, escorregou ao anunciar a sua intenção de “ensinar os andaluzes a pescar”.

O jornalista Alexandro V. García explica estas “opiniões grosseiras” com um paradoxo político e social, “a incapacidade de compreender que uma das comunidades mais ricas culturalmente e mais atractivas seja, ao mesmo tempo, uma das mais pobres e dependentes da Administração”.

A Andaluzia tem hoje 35% de desemprego (a média nacional é de 24%), quase 60% entre os jovens dos 20 aos 25 anos que não estudam. Nos anos em que houve dinheiro, e que permitiram à região diminuir substancialmente o fosso com o resto do país nas infra-estruturas e no acesso à educação e à saúde, o grosso do investimento centrou-se na construção desenfreada. Quando a bolha imobiliária se tornou evidente e a crise estalou, muitos jovens que tinham deixado de estudar ou abandonado o trabalho na agricultura para trabalhar na construção ficaram desempregados.

Falta um dado fundamental: ao estar continuadamente no poder, os socialistas tiveram a oportunidade de criar uma rede de clientelismo que, para além de abrir a porta aos grandes casos de corrupção, fortaleceram a dependência ou a sensação de dependência da população face ao partido.

A corrupção não é um exclusivo da Andaluzia, mas aqui há neste momento mil políticos sob investigação, incluindo dois ex-presidente da região socialistas, suspeitos em casos de desvio de fundos públicos destinados a formação e à criação ao emprego.

O catedrático em Antropologia Social da Universidade de Sevillha, Isidoro Moreno, ouvido pelo El País, afirma que o PSOE aproveitou a vitória nas primeiras eleições andaluzas “para constituir não um governo mas um regime, uma rede de interesses e de relações políticas, empresariais e mediáticas”. Esta rede de clientelismo, acrescenta, “faz com que muita gente dependa do partido ou pense que o seu futuro depende dele, como acontece com a corrupção: como os corruptos são os que mandam e são os nossos, fingimos que não vemos”.

Por tudo isto, faz sentido que a candidata do Podemos, Teresa Rodríguez, diga que “se há lugar onde a mudança tem de acontecer é aqui”. Mesmo se é bem possível que as eleições deste domingo não sejam, afinal, o início de grande mudança.

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