“Aqui uma pessoa apenas pode fazer a diferença”

O urologista de 34 anos que foi há dois anos no Interior diz que as condições de trabalho são difíceis e que as dificuldades sentidas pelos doentes são muitas.

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Fernando Veludo

“Por mais que seja propagandeado o contrário, não é a mesma coisa para um doente ser tratado no Interior e no Litoral”, sublinha o médico urologista Tiago Carvalho. Assim, como também não é a mesma coisa trabalhar num hospital em Vila Real e num hospital central do Porto. E não é com incentivos financeiros de 900 euros durante seis meses que isso se vai alterar, mas sim, avisa, com a melhoria das condições nestes locais, tantos para os médicos como para os doentes.

Tiago Carvalho não trabalha no Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro, com sede em Vila Real, por convicção. Há cerca de dois anos, quando terminou a sua especialidade, esta era uma das cinco vagas que tinha disponíveis. E era, apesar de tudo, aquela que ficava mais perto de casa, a vaga seguinte era em Faro. Ele foi um dos dois jovens urologistas que aceitou ir para o interior, os outros três lugares ficaram por preencher. Os médicos que não aceitam mudar de vida para irem o interior escolhem exercer no sector privado ou então emigram, e lá fora “a diferença financeira é avassaladora. Não são estes valores que os vão motivar”, sublinha o médico.

Tiago Carvalho não quis nem ir para o privado nem para o estrangeiro, mas esta sua opção não foi fácil. Continua a ter a sua casa no Porto, passa a sua semana de 40 horas de trabalho entre Vila Real, Chaves e Lamego. Em vez de ajudas de custo, o centro hospitalar assegura-lhe as deslocações com um carro do hospital e um motorista. Dorme fora de casa quase toda a semana, volta a casa à sexta-feira. Faz urgências uma vez por mês. Não nega, assim que tiver oportunidade vai tentar aproximar-se de casa. A mulher também é médica, tem dois filhos, um de sete e outro de cinco anos.

Antes de ter ido para Trás-os-Montes já ouvia dizer que era difícil o acesso a cuidados de saúde no Interior, mas ficou “surpreendido” ao ver quanto. Suponhamos que ele amanhã se levanta e não consegue ir dar consulta. Há doentes seus que fizeram 140 quilómetros para ali estar, há quem tenha pago 60 quilómetros de táxi para se sentar à sua frente. Muitos dos seus doentes têm situações de cancro da próstata, da bexiga e dos rins, são uma “população muito envelhecida”.

No hospital portuense onde fez a sua especialidade o seu serviço tinha 14 médicos, quando alguém falta há sempre alguém para o substituir. Aqui não, são só cinco e quando um único médico falta há muita gente que será afectada. “Aqui uma pessoa apenas pode fazer a diferença.”

E não é só por razões financeiras que o interior não é atractivo. Para um jovem médico que quer dar uso ao que andou a aprender durante seis anos “faltam condições de trabalho”. Por exemplo: “Há material que não é disponibilizado, e não estou a falar de medicamentos inovadores”.

Aqui, onde Tiago Carvalho faz tanta falta, “os doentes não têm acesso aos mesmos cuidados. Os doentes não são referenciados tão depressa como deveriam, não são vistos tão depressa como deveriam, não são operados tão depressa como deveriam”. Tiago Carvalho não está a defender a criação de “centros de referência no interior”, mas sim “fazer com a desigualdade seja menor”.

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