Associações de doentes pedem debate que evite repetição do caso da hepatite C

Doenças raras, esclerose múltipla, artrite reumatóide, cancro e diabetes. Seja pelo número de doentes, características da patologia ou pela existência de fármacos inovadores, estas são das áreas em que o factor preço pode levar a problemas como o da hepatite C.

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O que se passou com a hepatite C é que não pode repetir-se, defendem as associações de doentes Adriano Miranda

A percepção das associações de doentes ouvidas pelo PÚBLICO aponta para que o acesso a medicamentos inovadores tenha melhorado em Portugal. Mas referem que ainda há assimetrias. Numa altura em que os laboratórios têm várias inovações prestes a chegar ao mercado, os doentes pedem um debate sobre o que se quer pagar, que não seja pressionado pelo mediatismo do caso da hepatite C.

Doenças raras
“O acesso a medicamentos inovadores nas doenças raras em Portugal existe, como nos outros países, mas a forma como a aquisição é feita é que não está correcta”, defende Paula Brito e Costa, presidente da Raríssimas – Associação Nacional de Deficiências Mentais e Raras. Um exemplo: pode acontecer que um doente do Porto tenha acesso a um determinado medicamento e um de Lisboa não. Isto acontece porque os medicamentos órfãos (para doenças raras) são de utilização hospitalar, e cabe às administrações das unidades decidir se os doentes têm acesso, através das chamadas autorizações de utilização especial (AUE). A estratégia de muitos doentes tem passado por “mudanças de residência” de forma a poderem ser tratados, descreve.

Nos últimos anos “a situação tem piorado com os cortes na saúde, até porque estes tratamentos são muito caros, podem custar um milhão, meio milhão de euros, 100 mil euros por ano”, consoante a doença, diz. O que a associação reclama é que os doentes tenham um acesso equitativo, até porque há muita inovação a chegar, graças à medicina personalizada. Mas é preciso reflectir quanto estamos dispostos a pagar pela inovação, pondera Paula Brito e Costa, lembrando que há quatro anos apresentaram “um dossier” ao Ministério da Saúde  em que apresentavam algumas respostas possíveis.  O que se passou com a hepatite C é que não pode repetir-se, defende.

Esclerose Múltipla
Paulo Silva Pereira, da TEM –Associação Todos com a Esclerose Múltipla, contraria a percepção dos especialistas e diz que, como doente, continua a notar a demora na introdução de novos fármacos. Como exemplo salienta as opções de tratamentos orais de primeira linha em comprimidos que devem chegar em 2015, “mas que existem desde 2014 noutros países da Europa”. Em termos de eficácia os novos fármacos, em ensaios clínicos, mostraram ser ligeiramente superiores, mas Silva Pereira destaca, sobretudo, o “conforto” – já que neste momento os doentes têm de se injectar sozinhos a um ritmo que pode ser diário.

O membro da TEM ressalva, ainda, que “o facto de os medicamentos já estarem aprovados também não significa que os médicos não sejam sujeitos a pôr determinadas barreiras na hora de os dar”. Quanto a valores, assume que é preciso uma capacidade de negociação cada vez melhor com a indústria farmacêutica, sublinhando que, ao contrário da hepatite C em que o tratamento inovador é usado por um período de meses, na esclerose múltipla arrasta-se muitos anos. “Se o meu tratamento custar 15 mil euros por ano e eu o fizer dez anos então já vamos em 150 mil euros. E a esclerose múltipla é uma doença que afecta sobretudo pessoas entre os 25 a 35 anos com uma longa esperança de vida ainda pela frente”, conclui.

Artrite Reumatóide
A presidente da Associação Nacional de Doentes com Artrite Reumatóide, está tranquila. “Não deixamos que nos esqueçam. Não podemos. A saúde não tem preço”, diz Arsisete Saraiva, notando que “neste momento” os doentes com artrite reumatóide que recorrem a terapêutica inovadora não têm tido problemas graves no acesso. “As coisas estão mais ou menos calmas”, avalia referindo que as mais recentes estimativas apontam para existência de entre 50 a 90 mil doentes com artrite reumatóide em Portugal, sendo que apenas 3600 cumprem os critérios para recorrer aos medicamentos inovadores.

Arsisete Saraiva estima que o custo anual de alguns doentes possa ascender aos 10 mil euros, mas sublinha que estas pessoas “conseguem ter qualidade de vida, passam a poder trabalhar e, por isso, não estão de baixa, nem metem reforma antecipada – o que em termos de custo para o Estado também deve ter sido em conta - e que podem até entrar em remissão”.

Cancro
Para o presidente do Núcleo Regional do Norte da Liga Portuguesa Contra o Cancro, o caso dos medicamentos inovadores para a hepatite C é “emblemático do que vamos enfrentar na área da oncologia”. Com medicamentos prestes a entrar no mercado para tumores da mama e melanomas, Vítor Veloso antevê que o preço volte a ser um entrave, com o preço por tratamento do cancro da pele avançado a poder ultrapassar os 120 mil euros. A solução, garante, passa por “uma união dos países da Europa, porque Portugal sozinho não tem força negocial”. Quanto à situação actual, afirma que o Infarmed continua a demorar a aprovar os medicamentos, ainda que defenda que o principal problema são as assimetrias dentro do país quando o fármaco já está no mercado, justificando que o acesso acaba por variar entre os diferentes hospitais. 

O também médico salienta que no caso da hepatite C, o processo acabou por ser conduzido a bom porto por uma “conjugação de factores e situações”. Vítor Veloso destaca a interpelação directa ao ministro da Saúde por parte de um doente, durante uma audição no Parlamento, e as notícias da morte de uma doente. Mas insiste que é preciso encontrar soluções “longe da mediatização”. Vítor Veloso recusa a solução de negar a entrada de fármacos apenas pelo preço, deixando a população sem resposta, reforçando a importância de a União Europeia passar a ter uma “acção concertada na negociação de preços de medicamentos”. 

Diabetes
O presidente da Associação Protectora Diabéticos de Portugal afirma que “tem havido acessibilidade a praticamente todos os medicamentos mais recentes”. Com as bombas infusoras de insulina, que geraram alguma polémica quando surgiram, instituiu-se um programa nacional para a disponibilização de 100 por ano. O programa é gerido de forma competitiva, através de concurso. “[Estas bombas] não são as mais caras nem as mais sofisticadas e era bom que fossem 300 ou 400, mas é o que temos”, diz o Luís Gardete Correia, que também é médico.

De resto, as últimas inovações disponíveis nesta área “têm chegado com relativamente pouco atraso”. “Agora, para o futuro, vamos ver”, diz. O pâncreas artificial “é ainda experimental e, se resultar, terá indicações precisas”, antecipa. Na diabetes tipo 2 o que é fundamental é apostar na prevenção para evitar o crescimento explosivo que se tem verificado. Por isso foi recentemente assinado um projecto a cinco anos com a Fundação Gulbenkian para reduzir de forma significativa o número de novos casos, um projecto que envolve com parceiros locais, autarquias e centros de saúde para a identificação de pessoas de risco.

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