Incidentes com polícia na Cova da Moura “são um problema do Estado de direito”

Sociólogo Boaventura Sousa Santos participou em manifestação anti-racista defronte da Assembleia da República e mostra-se preocupado com eventual infiltração da PSP pela extrema-direita.

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Nuno Ferreira Santos

Os recentes incidentes entre habitantes e polícia no bairro da Cova da Moura, na Amadora, com vários jovens a queixarem-se de terem sido espancados pelos agentes, “são um problema do Estado de direito e da democracia”, considera o sociólogo Boaventura Sousa Santos, que esteve esta quinta-feira numa manifestação contra o racismo defronte do Parlamento.

Boaventura Sousa Santos foi um dos manifestantes que conseguiram ser recebidos pelos grupos parlamentares do Bloco de Esquerda, do PCP e dos Verdes, aos quais explicou que vai avançar com uma petição para que a questão da violência policial “com fortes conotações racistas” e a impunidade deste tipo de comportamentos sejam levadas a debate no plenário da Assembleia da República. “Nem o PS nem o PSD ou o CDS responderam aos pedidos de audiência, feitos no próprio dia”, explicou o investigador, que teme que o fenómeno da infiltração das forças policiais por grupos de extrema-direita, como sucedeu em França e na Grécia, se possa repetir em Portugal.

O sociólogo, que tem a trabalhar consigo num dos seus projectos académicos um dos jovens alegadamente agredidos, não tem dúvidas de que os relatos dos habitantes da Cova da Moura correspondem à realidade. Segundo esses relatos, a reacção policial foi gratuita, e não desencadeada por nenhum tipo de comportamento dos residentes do bairro, na sua maioria de origem africana. Já a versão policial dos factos fala em resistência à detenção e apedrejamento de uma carrinha da PSP.

A Inspecção-Geral da Administração Interna está a investigar os acontecimentos, que tiveram lugar há uma semana. E o alto-comissário para as Migrações abriu um processo contra-ordenacional pela prática de violência racial contra os polícias da esquadra de Alfragide, acusados de tortura e abuso de poder. “Vocês têm sorte que a lei não permite, senão seriam todos executados” e “Deviam alistar-se no Estado Islâmico” são algumas das frases que os jovens garantem ter sido proferidas pelos agentes durante o espancamento. Jailza Sousa, uma habitante que presenciou o início dos acontecimentos da varanda de casa antes de os jovens terem sido levados para a esquadra de Alfragide, foi atingida no corpo com balas de borracha da PSP, que diz terem sido disparadas propositadamente contra si. Na corporação fala-se em acidente.

"Preocupa-me este ódio racial", observa Boaventura Sousa Santos, que quer que a PSP submeta os seus homens e mulheres a cursos intensivos de direitos humanos, feitos em parceria com as universidades, de forma a erradicar os comportamentos xenófobos. Porque só há uma maneira de eliminar o racismo, sublinha o académico: "Reconhecer que ele existe".

"Os jovens levados para a esquadra têm um nível educacional muito superior a quem os torturou", sublinha ainda o sociólogo. Alguns deles eram voluntários na associação Moinho da Juventude, um premiado projecto comunitário da Cova da Moura. No Facebook foram mais de mil os que prometeram aderir à manifestação defronte do Parlamento convocada por esta organização e ainda pelo SOS Racismo e pela Plataforma Gueto. Mas afinal não compareceram mais de duas centenas de pessoas.

"Bateram-me na boca e no nariz, com os bastões virados ao contrário", descreve Bruno Lopes, um desempregado de 24 anos que também foi esta quinta-feira a S. Bento. Passou uma noite na cadeia, tendo depois sido ouvido por uma juíza no tribunal de Sintra, que o mandou soltar mas o obrigou a apresentações periódicas às autoridades. Confrontado pela magistrada com a versão dos factos apresentada pelos agentes, desmentiu-a. Mas diz que também não contou à juíza o que se passou realmente, e como foi agredido: "Não tive oportunidade".

 

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