Negociação das Lajes esteve congelada durante dois anos

O secretário da Defesa dos EUA anunciou a “racionalização” de efectivos na Europa. O embaixador em Lisboa confirmou. O MNE assumiu “desagrado”. As esperanças de recuo esfumaram-se.

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Não foram atempadamente feitas contas ao impacto socioeconómico da redução dos efectivos dos EUA Miguel Madeira

O mês de Janeiro de 2013 assinala um momento determinante no dossier da Base das Lajes. Foi a partir dessa altura que os esforços, do lado português, entraram numa fase de expectativa, que reduziu significativamente a pressão em relação à negociação da decisão norte-americana de reduzir substancialmente o efectivo militar na base militar da ilha Terceira, nos Açores. Não se fizeram as contas ao plano de mitigação do impacto sócio-económico da redução. Não se convidou a administração de Obama a apresentar utilizações alternativas para a base.

Do lado do Governo português ninguém confirma publicamente esse compasso de espera. Por esta altura, depois de confirmada a decisão de uma drástica redução de efectivos, o segredo é a alma dos Negócios Estrangeiros. Mas na esfera do Executivo esse facto é reconhecido de forma implícita, ao admitir-se que o processo já passou por várias fases desde que, no início de 2012, a administração norte-americana anunciou a redução.

“Numa fase mais inicial, houve, a nível militar, vários encontros”, admitiu um responsável conhecedor do processo. Agora, a “fase negocial vai continuar de forma muito mais efectiva”, acrescenta o mesmo responsável. Pelo meio, ficou um período de tempo em que  Portugal ficou à espera do que resultasse do “European Infrastructure Consolidation Assessment”. Um estudo anunciado em Janeiro de 2013 que prometia reequacionar os encerramentos de bases na Europa anunciada meses antes.

É precisamente essa a acusação que Roberto Monteiro, presidente da Câmara da Praia da Vitória (autarquia onde está instalada a base), faz ao Governo português. “O Governo não estava no processo negocial, esteve estes anos à espera do que os americanos iam fazer”, afirma ao PÚBLICO.

A sua conclusão apoia-se na forma como o anúncio foi feita no início deste mês: “A decisão foi anunciada pelo embaixador americano. Se tivesse existido um processo negocial, as conclusões teriam sido apresentadas em conjunto. Foi implementada, simplesmente, a vontade de uma das partes”.

O professor e investigador da Universidade Lusófona, José  Filipe Pinto, encara este último desenvolvimento como apenas mais um episódio de uma história recorrente. O autor do livro Lisboa, os Açores e a América e director de Ciência Política daquela universidade, considera que, em relação às Lajes, e a defesa dos interesses nacionais, há muito que “Portugal nunca prepara correctamente os dossiers”.

O seu livro analisa os 70 anos de negociações bilaterais entre Portugal e EUA para a instalação dos norte-americanos nos Açores. Sobre o que se tem passado desde 2012, José Filipe Pinto insiste na mesma falha: “Ficámos sempre numa situação de crendice.” Na esperança, explica, de que, pelo “simples facto de termos relações privilegiadas com este aliado, teríamos sempre um tratamento preferencial”. Para desvendar o problema desta expectativa, o professor universitário recorda a imortal tirada de Lorde Palmerston, primeiro-ministro do Reino Unido no século XIX: “As nações não têm amigos ou aliados permanentes, têm apenas interesses permanentes.”

E a contrastar com o pragmatismo norte-americano está a miragem portuguesa. “Os contactos com os senadores e congressistas americanos reforçaram a ideia de adiar a decisão. Só que o embaixador americano veio agora dizer que não havia nada para negociar”, remata.

Ainda assim, para muitos, esses “contactos” com os políticos de Washington representam uma vitória do esforço português. O embaixador Pedro Catarino, que esteve colocado nos EUA e que chefiou, entre 1990 e 1992, a delegação portuguesa que negociou o Acordo de Cooperação e Defesa que veio a ser assinado em 1995, considera que foi essa pressão junto do Capitólio que levou ao anúncio da realização do Relatório em 2013. “Esse foi, talvez, o resultado desse lobbying”, afirma ao PÚBLICO.

Que aparentemente não teve resultados, uma vez que o anúncio feito este ano confirma os números da redução assumida em 2012. Pedro Catarino, actualmente representante da República nos Açores, não acredita que, por exemplo, a decisão seja uma consequência de decisões económicas deste Governo em relação a privatizações de activos portugueses em que interesses americanos foram preteridos face a propostas vindas da China. “O quadro mental dos norte-americanos não é esse. O que pesou, muito simplesmente, foi que o movimento [de aviões militares dos EUA que passam pelas Lajes] é de dois aviões por dia. Eles têm uma educação virada para a estatística.”

Catarino afirma-se convicto de que o Governo Regional, o embaixador português em Washington, Nuno Brito, e Ministério dos Negócios Estrangeiros fizeram “o que podiam”. O agora deputado Mota Amaral e ex-presidente do Governo Regional dos Açores concorda. E contesta a ideia de que Portugal poderia ter exigido aos EUA sentar-se à mesa das negociações enquanto decorria o estudo. “Isso teria sido dar o sinal da aceitação da inevitabilidade da redução.”

Filipe Pinto discorda: “Nas negociações poderia e deveria ter-se colocado a permanência em questão. Portugal podia ter dado a entender que iria procurar outras utilizações para a base, mesmo no âmbito da NATO.”

Pedro Catarino defendeu uma postura mais cautelosa. “Não se pode ter uma política do cacete perante os EUA”, adverte. Antes de mais, por “um factor de dimensão”. Depois, porque isso “não convinha” a Portugal. “A relação trans-atlântica é um dos vectores fundamentais da nossa política externa. A nossa relevância na União Europeia e na Lusofonia depende da nossa relação com os EUA”, acrescenta. “Não podemos procurar uma solução que baralhe todos os vectores da nossa política externa”, remata.

Há ainda outros argumentos que obstam a uma tomada de posição de maior afrontamento perante os EUA. Como reconhecia um alto funcionário da administração central, a saída dos americanos traria consigo um custo. “São os americanos que suportam os custos de manutenção da base na totalidade. Só isso significa nove milhões por ano”, contabiliza. A título de exemplo, este responsável recorda que, recentemente, o radar da base foi substituído a expensas da parte americana. A pista e sua iluminação estão também a cargo dos EUA. Encargos assumidos apesar de a Força Aérea dos EUA ser apenas, em termos estatísticos, “o quarto utilizador” da infra-estrutura. Em primeiro lugar vem a SATA, seguida da TAP e da Força Aérea Portuguesa.

Para Pedro Catarino, “o dossier das Lajes não é um dossier fechado”. Mota Amaral defende que Portugal pode ainda jogar com a “querela entre Congresso e Administração”. A decisão da redução europeia foi anunciada pelo Pentágono sem ouvir o Capitólio, o que foi mal recebido aí.

E portanto, três anos depois, depois de dois anos em suspenso, parece que finalmente Portugal quer lutar pela Base das Lajes. Porque, como um responsável português reconhecia ao PÚBLICO, “agora, é sentarmo-nos à mesa…”

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