"Acabou o tempo das mitomanias eleitorais"

Miguel Albuquerque, o novo líder do PSD-Madeira que será entronizado no congresso deste fim-de-semana, quer eleições regionais antecipadas e acredita que pode ganhá-las com maioria absoluta. Mas admite coligações.

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Miguel Albuquerque

O novo líder do PSD-Madeira diz não ter medo de fantasmas, muito menos da sombra de Alberto João Jardim. Mas também não o hostiliza. Nas vésperas do congresso onde assume a liderança do partido na região, quer o partido mobilizado e acredita que pode alcançar uma nova maioria em eleições antecipadas, porque "os partidos da oposição ficaram a dormir à espera de uma fractura que não aconteceu". Mas não afasta a possibilidade de encontrar outras soluções no quadro parlamentar.

A saída do dr Alberto João Jardim da liderança do PSD e a sua demissão de presidente do governo regional da Madeira significam, por si, o fim do jardinismo na Madeira?
Significa o fim de um ciclo político. E o início de uma nova era, com novas políticas e práticas políticas adaptadas aos novos tempos. No PSD/Madeira houve uma clara escolha democrática nesse sentido. Em 2 Novembro de 2012, como único candidato que desafiou a situação vigente, quebrei o falso unanismo que desde há anos estava a estagnar a prática do nosso partido no seu pensamento único, na sua postura, nas suas acções políticas. Ninguém pode negá-lo. Com a expressiva votação que obtive a 29 de Dezembro, ganhei legitimidade para liderar um partido democrático, liberto de quaisquer condicionalismos, com a garantia de uma dinâmica de renovação mas sem qualquer sinal de sectarismos, tendo por objectivo concretizar os grandes desígnios colectivos.

A aprovação da redução das subvenções parlamentares, a que o PSD se opunha, constitui o primeiro sinal prático de ruptura com o passado? Ou será, como criticou a oposição, a nova “máscara” e cosmética para as próximas?
Disse – e mantenho – que os partidos políticos têm de se adaptar à crise. Olhar para a realidade. Perceber que necessitam de conter gastos excessivos, sob pena de perderem de vez a credibilidade aos olhos dos cidadãos. Fizemos aquilo que dissemos logo após a nossa eleição. Ainda bem que aprovamos a redução. É uma questão de bom senso e, como diz a minha avó, de temperança. O nosso primeiro compromisso está cumprido.

O dr. Jardim contestou a redução desse financiamento público dos partidos na Madeira, acusando-o de, numa óptica ade “neocapitalismo liberal”, pretender “entregar os partidos à dependência privada” para “subverter a partidocracia”.  
O PSD/M e os outros partidos podem e devem viver com menos dinheiro. Quase todas as famílias portuguesas estão a fazê-lo. E os partidos não estão acima da sociedade, estão ao seu serviço.

O ex-líder vai ser a sua sombra ou fantasma nesta e noutras questões?
Penso que isso não vai acontecer, pois não acredito em fantasmas. Não tive medo de afrontar o dr. Jardim na disputa da liderança do partido em 2012, agora, eleito por inequívoca vontade dos militantes, muito menos terei medo da sua sombra. Acabou o tempo das mitomanias eleitorais.

Na noite da sua eleição traçou como objectivo do PSD para as legislativas regionais, que pretende antecipadas, atingir a maioria absoluta. Acha que tal é possível com o desgaste de 40 anos no poder?
Acho. O PSD/M está mobilizado graças à eleição interna, e os partidos da oposição ficaram a dormir à espera de uma fractura que não aconteceu no PSD-M.

Se não atingir a maioria absoluta, vai aliar-se a outro partido? Preferencialmente ao PS ou ao CDS/PP?
Se isso não acontecer, temos sempre hipótese de resolver o assunto no quadro parlamentar. Mas estou convicto que vamos obter a maioria.

Tem delineado uma nova orgânica de governo, tendo em conta os tempos de austeridade que atravessamos?
Sim. Há sectores essenciais da nossa economia, como o turismo, que terão muito maior peso político no executivo. Temos de mudar de rumo. E abandonar a política de remendos e de autocontentamento que pode levar à decadência irreversível da Madeira como destino turístico. O turismo, sendo um sector prioritário e estruturante da futura acção governativa, tem de ser visto como transversal a todos os outros sectores. É preciso definir uma estratégia correcta, rasgar novos horizontes, mobilizar energias capazes de recuperar deficiências e atrasos e responder aos desafios que já aí estão. É prioritário estabelecer objectivos de médio e longo prazo, os quais devem emergir da conclusão do Plano Estratégico para o Turismo. O plano deve ser objecto de um compromisso alargado, envolvendo todos os agentes intervenientes na indústria, e ter em vista a requalificação, consolidação e melhoria substancial da nossa oferta turística…

… que apresenta sinais de estagnação…
É possível identificar esses sinais de estagnação no fenómeno turístico da região que são recorrentes nos destinos em fase de maturidade. No caso concreto da Madeira – e não vale a pena iludir a questão –, isso traduz-se na grande dependência face a um número restrito de mercados, à falta de procura face à capacidade instalada, ao decréscimo de proveitos anuais da hotelaria, da hotelaria e dormidas, em taxas de crescimento e indicadores de desempenho erráticos, em perda generalizada de competitividade. Por outro lado, a Madeira tem de apostar em novos sectores aptos a captar capitais nomeadamente financeiros e bancários, e consolidar a atractividade do Centro Internacional de Negócios [Zona Franca], transformando-se numa plataforma de prestação de serviços internacionais, contando para isso com os acordos e parcerias estratégicas especas que necessita de estabelecer com os outros arquipélagos atlânticos.

É urgente a implementação de uma nova política de transportes que seja capaz de reduzir o custo dos transportes de forma generalizada, quer seja no transporte aéreo quer seja no transporte marítimo. É igualmente necessário garantir o melhor aproveitamento dos recursos públicos disponíveis, garantir a maior eficácia nas políticas sociais públicas e diversificar, através de iniciativas concertadas entre diferentes parceiros, a promoção de uma sociedade mais justa e mais equitativa. Numa sociedade como a nossa, ainda muito assimétrica, é também evidente que o investimento na cultura é essencial para garantir uma comunidade mais equilibrada e mais preparada para lidar criticamente com os fenómenos contemporâneos da manipulação de massas e da desinformação mediática.

A moção de estratégia com que se apresenta ao congresso deste fim-de-semana aponta para a reforma do sistema político regional. Em que termos vai concretizá-la?
Melhorando o funcionamento da nossa democracia e centrando o debate político no nosso Parlamento Regional, alicerce representativo da nossa autonomia política. Entendo que, contrariando o que tem sido a prática, o presidente do governo e os secretários regionais eleitos devem deslocar-se frequentemente à Assembleia, a fim de prestar os esclarecimentos necessários. E que também deve ser instituído no parlamento um debate anual sobre o estado da Região com a presença do Governo.

A função de fiscalização da acção governativa por parte da Assembleia Legislativa, deverá acentuar-se, garantindo ganhos de eficácia e contribuição para uma transparência da política regional. Entendo que o Estatuto da Oposição deve ser respeitado e proponho ainda um maior equilíbrio nos tempos de intervenção atribuídos às forças parlamentares. Por outro lado, é necessário reduzir o número de deputados, como já se fez com a redução substancial de 40% no valor das subvenções parlamentares.

As reuniões das comissões especializadas bem como as de inquérito devem, em regra, ser abertas à comunicação social. O parlamento da Madeira não pode ser excepção à Assembleia da República. A região também não pode continuar a ser excepção a nível do país, permitindo que os políticos possam acumular a reforma com o vencimento público.

Se assumir o poder na região, que lugar tem reservado para Sérgio Marques e Miguel de Sousa, os dois candidatos à liderança do PSD que publicamente o apoiaram na segunda volta?
São óptimos quadros políticos regionais e conto com a sua reconhecida competência, mas não tenho de momento lugares reservados para ninguém.

E para o dr. Alberto João Jardim e Jaime Ramos, as poderosas figuras da estrutura partidária cessante?
Cito o Anthony Bourdain: “No reservations”. [risos]

Como vai resolver a difícil situação financeira do PSD e da Fundação Social Democrata, tecnicamente falida com um passivo superior a 13 milhões de euros?
Não estou ainda informado sobre a situação, mas lembro que a Fundação tem um ROC [Revisor Oficial de Contas] e nos termos legais é exaustivamente auditada.

E como vai ultrapassar a ainda mais pesada herança da região, com um serviço da dívida que absorve metade das suas receitas fiscais?
Vamos resolver. Como o Estado Português está a resolver. A Região, com grande sacrifício, tem cumprido escrupulosamente as metas do PAEF [Plano de Assistência Económica e Financeira], situação que tem permitido a recuperação da nossa credibilidade. É justo que se diga isto. Estes bons resultados de disciplina financeira e de rigor orçamental auguram boas perspectivas e não deixaram de ser consideradas em benefício futuro da nossa população. Mas esta e outras questões, pela sua complexidade e sensibilidade, serão tratadas no momento próprio.

Em que termos pretende negociar a revisão do PAEF, imposto pelo excessivo endividamento que ultrapassa os estimados 6,5 mil milhões de euros, e que vem constituindo uma asfixia para os madeirenses?
É evidente que a carga fiscal é excessiva e que é necessário libertar dinheiro para dinamizar a economia. A situação económica e financeira da Região é grave: excesso de endividamento público e privado, estrangulamento das linhas de financiamento das empresas, aumento exponencial do desemprego, diminuição do poder de compra. Vivemos hoje um dos maiores desafios da nossa história. Há que mudar de paradigma e incrementar novas apostas de desenvolvimento económico nos sectores onde podemos ser mais competitivos; estabilizar as nossas finanças públicas, aumentar as receitas e diminuir as despesas.

São necessárias medidas imediatas por forma a que o ciclo da dívida não estrangule a nossa margem orçamental e financeira, nem impeça a necessária revitalização económica da região. Mais concretamente são necessários novos programas de revitalização e dinamização de sectores específicos da nossa economia, pois só dessa maneira teremos possibilidades de, a médio prazo, gerar efeitos multiplicadores positivos no emprego, na receita fiscal, no consumo e no rendimento das pessoas singulares e das empresas.

Foi acusado pelo líder cessante, durante a campanha para as directas, de ser um aliado de Lisboa e de interesses obscuros anti-Madeira. A intransigência do primeiro-ministro e seu amigo dos tempos da JSD relativamente a reivindicações do dr. Jardim abriu-lhe o caminho para a sucessão?
Ninguém me abriu caminho. O primeiro-ministro não interferiu – nem podia interferir – em coisa alguma relativa a esta eleição. Tenho muitos amigos em Lisboa e em todo o país. Sempre defendi a Madeira como aquilo que ela é – e deve ser – uma região cosmopolita, moderna e aberta ao mundo, e aos outros, uma região que não deve nunca se fechar sobre si própria, sob pena de ficar prejudicada e isolada.

Defende um outro tipo de relacionamento com as instituições da República?
Defendo o estabelecimento de pontes permanentes de diálogo entre as instituições autonómicas e as instituições do Estado. Se não conversarmos com frequência e com confiança mútua não resolvemos os problemas. A Madeira foi prejudicada claramente devido a um discurso de hostilização permanente e muitas vezes gratuito. Os seus actores políticos estavam ligados a um processo de desgaste muito forte, que os incapacitava de empreenderem a necessária renegociação com o Estado e com os nossos credores. Esse facto retirou-lhes margem de manobra para iniciarem novas políticas de relançamento económico e captação de investimentos, capazes de inverterem a estagnação que a região está a atravessar.

É necessário reconquistar a credibilidade e a confiança através de novos actores e de novas políticas, ponto de partida para inversão da tendência actual. Quer a nível nacional quer internacional - há que lançar a base de novos relacionamentos, de novos compromissos e de uma nova rede de parcerias projectando um novo capital de mobilização e confiança, a favor dos interesses da Madeira.

Foi também confrontado na campanha com a divulgação de uma auditoria à sua gestão na Câmara do Funchal, que deixou endividada. Teme ser comparado, na campanha para as regionais, com a governação do dr. Jardim?
Foi uma auditoria sectária, com resultados ridículos, encomendada pela vereação e presidência socialista, no sentido de interferir a meu desfavor nas eleições internas do PSD/Madeira. O resultado foi zero. Porque os funchalenses conhecem aquilo que foi a minha gestão na cidade. E todas as contas dos meus mandatos estão auditadas e aprovadas pelo Tribunal de Contas e outros organismos. Foi mais um tiro no pé desta Câmara Municipal, que nem à segunda tentativa, por desentendimentos internos, conseguiu aprovar o plano de actividades.

Como irá reagir à acusação de que foi cúmplice das políticas seguidas pelo PSD durante décadas?
Sou do PSD. E revejo-me na obra que fizemos nesta região em benefício da população, da Madeira e do país. Nos últimos anos não concordei com as políticas seguidas e afirmei-o. Lutei democraticamente pela mudança. Não andei a murmurar nos cafés. Nem a jogar para o empate a favor do status quo.

E à acusação de ter sido co-responsável pela administração da Fundação Social Democrata e subscritor do negócio da venda de prédios de empresas de Jaime Ramos à fundação do partido de que era secretário-geral?
A Fundação é regular e periodicamente auditada nos termos da Lei. Até a minha saída nunca foi detectada qualquer irregularidade ou ilegalidade.

Se formar governo, vai privatizar o Jornal da Madeira, que lhe foi hostil a partir do momento que se candidatou contra a liderança do dr. Jardim?
Penso que é a melhor solução, e digo, desde já, que é importante em termos democráticos a existência de dois periódicos na região; mas sem governamentalização e sem onerar o orçamento regional.

E vai “remunicipalizar” as estradas e ruas da cidade, regionalizadas pelo governo que censurou por usurpar competências do município sob a sua presidência?
Sim. A “regionalização” de um conjunto de vias centrais na cidade é um absurdo.

No final do mandato autárquico, insurgiu-se igualmente contra a privatização dos Horários do Funchal. E agora, que vai fazer se formar governo?
Vou analisar o caderno de encargos da concessão. É preciso salvaguardar carreiras, sobretudo as afectas às populações das zonas altas do Funchal, acautelar na concessão as políticas públicas ambientais, de energia, de mobilidade e de ordenamento.

O primeiro presidente do governo regional, engenheiro Ornelas Camacho, recebeu a mais alta condecoração da Madeira. Vai propor a atribuição de o mesmo Cordão Autonómico de Distinção, ao dr. Alberto João Jardim?
O dr. Alberto João Jardim, independentemente das nossas discordâncias políticas e públicas, por vezes muito fortes, é uma figura incontornável na história da Madeira.

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