ERC dá razão à administração da RTP na Liga dos Campeões: CGI intrometeu-se onde não devia

Numa deliberação crítica, o regulador diz que administração “não tinha o dever de comunicar” ao CGI a compra dos direitos da Liga dos Campeões porque “não lhe cabe” definir os conteúdos das grelhas de programas.

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Carlos Magno invoca parecer da PGR que só admite cedência de imagens com mandato judicial Daniel Rocha

A administração da RTP ficou esta quinta-feira com as costas respaldadas pela decisão, por unanimidade, dos cinco membros do conselho regulador da ERC - Entidade Reguladora para a Comunicação Social. Consideram que o conselho geral independente extravasou as suas competências e poderes ao considerar que devia ter sido informado previamente sobre a compra dos direitos da Liga dos Campeões. A ERC diz que a equipa de Alberto da Ponte não tinha que o fazer e critica a actuação do órgão de supervisão criado pelo Governo.

Será, no entanto, uma vitória com um sabor amargo para a administração, que já sabe desde quarta-feira que o pedido de destituição feito pelo CGI à Assembleia Geral será prontamente aceite pelo Governo. A reunião da Assembleia Geral da RTP, onde só tem assento o Governo, com representantes dos ministros Miguel Poiares Maduro e Maria Luís Albuquerque, ainda não está marcada.

Em comunicado, a ERC defende que a administração da RTP “não tinha o dever de comunicar ao CGI a aquisição a aquisição dos direitos de transmissão da Liga dos Campeões”. Ao querer imiscuir-se nos conteúdos das grelhas, o CGI está a “violar” gravemente a independência e autonomia editoriais, acrescenta a deliberação.

“O regulador dos media considera que não cabe ao CGI definir os conteúdos a incluir nas grelhas de programas do operador público.” Tentar fazê-lo seria uma “grave violação da independência e autonomia editorial”, lê-se no comunicado.

Esta análise da ERC vem na sequência de um pedido dos cinco directores editoriais de informação e programação da RTP para que o regulador esclarecesse com “urgência” os poderes do CGI sobre os conteúdos, porque consideraram que terá havido uma “violação grave da autonomia editorial”. Na segunda-feira, o conselho geral criticou o processo de compra da Liga dos Campeões, que custou 15,9 milhões de euros por três épocas. “Independentemente do que possa pensar-se da adequação, ou não, dessas transmissões à noção de serviço público, a sua aquisição, quer pelo montante financeiro envolvido, quer pelas implicações que terá na grelha de programação, quer pelo alcance concorrencial da decisão, é de natureza estratégica”, defendeu o CGI.

Uma das dúvidas sobre a compra da Liga dos Campeões é que a administração classifica este conteúdo como estratégico e, por isso, o CGI considera que o assunto deveria ser-lhe comunicado, já que tem competência sobre as questões estratégicas da empresa. Mas a ERC discorda. “A conclusão da ERC baseia-se na leitura das competências confiadas pela lei ao CGI e é válida mesmo que a aquisição de um certo conteúdo possa ter interesse estratégico para a empresa”, diz o regulador.

E acrescenta: “A ERC conclui ainda que as competências do CGI em matéria de definição de conteúdos esgotam-se na emissão de pareceres não vinculativos sobre a criação de novos canais ou sobre a introdução de alterações significativas aos já existentes.”

O PÚBLICO pediu um comentário sobre esta deliberação ao conselho geral independente da RTP mas não obteve resposta.

Numa deliberação com tom crítico em relação ao conselho geral, a ERC lembra que os jogos da Liga dos Campeões fazem parte da lista anual dos eventos considerados de “interesse generalizado do público”, que é definida pelo ministro da tutela, Miguel Poiares Maduro.

Tais eventos “devem, em princípio, ser disponibilizados por operadores que emitam por via hertziana terrestre com cobertura nacional e de acesso livre”, recorda o órgão regulador. Que lembra ainda que o novo contrato de concessão – ainda por assinar, é certo, mas que já devia ter entrado em vigor – prevê que a RTP1 “inclui necessariamente (…) sempre que possível, a transmissão de eventos que sejam objecto de interesse generalizado do público (…) devendo a concessionária [RTP] posicionar-se no sentido de adquirir os respectivos direitos televisivos, nos termos do mesmo preceito, desde que tal aquisição se enquadre nos seus limites orçamentais”.

Ora, a administração da RTP veio publicamente garantir que o negócio foi feito no “respeito total das projecções financeiras para a empresa tal como previstas no novo contrato de concessão até 2019 [que ainda não foi assinado pela RTP e pelo Governo e aguarda o visto final do Ministério das Finanças], e no estrito cumprimento da autonomia de gestão do conselho de administração bem como das responsabilidades inerentes a este órgão”.

A ERC aproveita ainda para dar uma espécie de puxão de orelhas tanto ao CGI como ao Governo, que através do ministro da Presidência e dos Assuntos Parlamentares veio criticar a compra da Liga dos Campeões: é uma “inexplicável incoerência” reprovar agora a atitude da RTP” de comprar tal conteúdo. Luís Marques Guedes tentou esta quinta-feira defender-se dizendo que as suas declarações há duas semanas “não tiveram rigorosamente nada de novo” porque “a opinião que o Governo tem sobre esta matéria era conhecida desde o início da legislatura” – Miguel Relvas chegou a proibir a RTP de comprar provas de futebol.

No caso do pedido de destituição, que a oposição atribui a influência do Governo sobre o conselho geral, Marques Guedes disse que essa é uma “ideia pequenina” e defendeu o órgão como de “reconhecida competência e independência total. Seguramente que as pessoas que o compõem não estão sujeitas a pressões deste tipo, nem da parte das opiniões reiteradas pelos membros do Governo, nem da parte de acusações ou declarações mais bombásticas que sejam feitas pelos partidos políticos da oposição".

Apesar de estar demitida de antemão, a equipa liderada por Alberto da Ponte faz questão em usufruir os seus direitos até ao fim: quer ser ouvida no Parlamento e também pelo ministro da tutela antes da Assembleia Geral. Porque, diz fonte da administração, o estatuto do gestor público prevê que num caso de demissão da equipa de gestão esta tem que ser “devidamente fundamentada” e tem que haver uma “audiência prévia” pelo menos do seu presidente. Alberto da Ponte ainda não se pronunciou publicamente sobre o caso porque, conta fonte oficial da RTP, ainda não lhe foram comunicados os “fundamentos” da proposta da sua destituição.

Em caso de demissão, os gestores públicos não têm direito a qualquer subvenção ou compensação pela cessação de funções, especifica o estatuto.

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