Militar da GNR condenado por balear e agredir cadela

Tribunal de Alenquer condenou arguido a pagar uma multa de 1200 euros por ter disparado e agredido o animal com um pau. Decisão poderia ser mais pesada se o caso já estivesse sujeito à nova legislação de protecção dos direitos dos animais.

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Militar da GNR terá de indemnizar dona da cadela Carla Carvalho Tomás

Um militar da GNR foi condenado a pagar uma multa de 1200 euros por ter disparado e agredido com um pau uma cadela, causando lesões graves e despesas significativas para o seu tratamento. O caso foi julgado no ano passado pelo Tribunal de Alenquer que condenou o arguido a indemnizar a dona do animal em 591,75 euros. Contudo, o guarda recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, apontando erros de julgamento da primeira instância. Agora, este tribunal superior confirmou a decisão dos juízes alenquerenses, considerando o recurso improcedente. O militar foi, assim, condenado pela prática de um crime de dano.

A decisão da Relação de Lisboa condena também o arguido nas custas processuais e recorda que, embora ainda não tivesse entrado em vigor à data do recurso, existe, agora, em Portugal, legislação que “criminaliza os maus tratos a animais e animais de companhia”.

De acordo com a decisão judicial, que transitou em julgado no passado dia 10, o arguido é proprietário de um terreno situado na freguesia rural de Cadafais (concelho de Alenquer), onde possui uma residência e um anexo com aves de capoeira. Madalena Dias reside, pelo menos ocasionalmente, no chamado “Sítio dos Dias”, muito próximo do terreno do militar da GNR. No dia 9 de Setembro de 2012, cerca das 17h00, Madalena Dias (comerciante em Castanheira do Ribatejo) soltou os seus três cães, que saíram do espaço da sua residência e seguiram em direcção ao terreno do militar.

Acrescenta o acórdão da primeira instância que, nessa ocasião, “por julgar que as aves que anteriormente haviam desaparecido da sua capoeira haviam sido levadas pelos cães da ofendida”, o arguido, “utilizando uma arma de fogo de características não apuradas, disparou tiros na direcção de uma cadela, chamada Diana, atingindo-a na zona da cabeça, do pescoço e no dorso”. A mesma decisão judicial refere que, na ocasião, o arguido, “utilizando um pau de características não apuradas, ainda bateu com o mesmo na cadela, tendo somente deixado de o fazer momentos antes de aparecer no local o marido da ofendida”.

Como consequência desta situação, a cadela sofreu lacerações nos pavilhões auriculares, no pescoço e no dorso, lesões irreversíveis no olho esquerdo, fractura da mandíbula, falta de propriocepção de ambos os membros posteriores e destruição de uma das asas da primeira vértebra cervical. Nos dias seguintes, os seus donos deslocaram-se várias vezes a uma clínica veterinária do Cartaxo, onde a cadela ficou internada, situação que também obrigou a ofendida a fechar o seu estabelecimento durante três dias.

O arguido não se conformou com a decisão da primeira instância e recorreu para a Relação de Lisboa, considerando que deveria ser absolvido porque não teria ficado provado que a ofendida era dona da cadela, que não tinha documento de propriedade, que se trata de uma “cadela rafeira” com valor legal “diminuto” e que a sentença da primeira instância teria infringido alguns preceitos legais.

O Ministério Público defendeu a improcedência do recurso, não identificando qualquer erro na decisão da primeira instância, e considerou provado que a cadela pertence a Madalena Dias. O acórdão do Tribunal de Alenquer “não merece qualquer censura”, sustentou.

Os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa que apreciaram o caso também consideram “perfeitamente despropositada e infundada” a tese de “erro-vício” de apreciação do caso invocada pelo arguido e explicam que o Tribunal de Alenquer “explicitou com clareza quais os motivos que o levaram a não credibilizar a versão apresentada pelo recorrente e de um modo que, a nosso ver, não merece qualquer tipo de reparos”. No entender dos juízes do tribunal superior, o julgador da primeira instância “seguiu um percurso lógico e racional, coerente e consistente, explicando de forma clara como alcançou a convicção acerca do modo como os factos se desenrolaram”.

O arguido apontava, igualmente, a alegada falta de legitimidade do Ministério Público para deduzir acusação num caso como este, considerando que não apurou o valor da cadela e que este não deverá exceder os 50 euros, “pelo que seria necessário a dedução de acusação particular”. Os juízes da Relação explicam que este preceito refere o chamado “furto formigueiro”, que ocorre quando se verificam duas condições: a primeira que a coisa seja de valor diminuto, a segunda de que a mesma seja destinada a utilização imediata e indispensável à satisfação de uma necessidade do agente.

Ora, os juízes ainda admitem que a primeira condição (“valor diminuto”) pode ocorrer neste caso, mas afastam completamente a segunda, frisando que os danos causados na cadela não se inserem no âmbito desta condição. “Na verdade, não se vislumbra que a cadela Diana se possa destinar a uma utilização imediata e indispensável à satisfação de uma necessidade do agente, desconhecendo-se que em Portugal os canídeos se destinem a ser ingeridos pelos humanos”, conclui a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa.  

“Foi uma decisão pioneira em Portugal”
Sílvia Valverde, advogada que representou Madalena Dias neste caso, diz que com a nova legislação, o militar da GNR agora condenado poderia ser julgado e condenado, também, por crime de maus tratos a animal, punível com multa ou com pena de prisão até um ano. A causídica de Vila Franca de Xira julga que as molduras penais previstas na nova lei ainda são “um pouco brandas”, mas admite que, como em tudo, há que evoluir passo a passo.

“Acho que esta foi uma decisão pioneira. Não se podia pedir muito. Não se podia pedir pouco, mas entendo que a justiça portuguesa começa a ter outra sensibilidade em relação a estes assuntos. Se não é a primeira decisão deste género, será uma das primeiras no nosso País”, salienta Sílvia Valverde, em declarações ao PÚBLICO, frisando que a nova legislação (ainda não aplicada neste caso) alarga bastante o conceito de maus tratos a animais . Até aqui, explica, ainda com influência do direito romano, a lei portuguesa classificava os animais como “coisas” com algum valor para os seus proprietários, mas esse conceito era complicado de aplicar. Agora, já são todos classificados como animais ou animais de companhia. “Já não é só a questão de bater e de deixar um animal naquela miséria. Agora, a lei vai até àquilo que algumas  pessoas fazem, nas férias de Verão ou nos períodos festivos, que é abandonarem os animais. Ninguém é obrigado a ter um animal, mas, às vezes, as pessoas compram um animal, um gato ou um cão, porque são giros quando são pequenos e, depois, esquecem-se do que isso vai implicar. Por isso, a nova legislação também penaliza um pouco esse comportamento de abandono, se bem que, na minha opinião, de uma forma um bocado branda”, conclui.

 

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