“Estamos muito contentes. É um país pequeno mas com um coração muito grande”

Depois dos primeiros, em Março, chegaram a Portugal mais 22 estudantes sírios para seguir a sua formação superior, interrompida pelo conflito. Desta vez, há uma família inteira no grupo.

Said e Slava, com os três filhos, chegaram ontem no grupo de 22 sírios que aterraram este sábado em Lisboa
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Said e Slava, com os três filhos, chegaram no grupo de 22 sírios que aterrou neste sábado em Lisboa Nuno Ferreira Santos
Depois de anos a fugir à guerra no seu país, estes sírios vão recomeçar de novo em Portugal com bolsas e apoios
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Depois de anos a fugir à guerra no seu país, vão começar uma nova vida em Portugal com bolsas e apoios Nuno Ferreira Santos

Com 54 e 42 anos, Saif e Slava Daoud são os bolseiros mais velhos da sala repleta de sírios. Viajaram em família: com eles vieram os três filhos. Talvez por isso, tinham o ar menos perdido de todos os que sábado aterraram em Lisboa e domingo já vão acordar em diferentes cidades. São 22 os novos sírios a chegar a Portugal para completar estudos superiores – em Março vieram os primeiros 43.

“Claro que sei, quero ser médica, estudar o cancro”, diz sem pestanejar Lora, 17 anos, a filha mais velha do casal, que ainda tem de completar o liceu e já sabe que o fará na escola britânica St. Julian. Lora fala e os outros riem. No final do encontro de boas-vindas que juntou o ex-Presidente Jorge Sampaio, promotor da Plataforma Global de Assistência Académica a Estudantes Sírios, representantes do Governo, voluntários que trabalham com os estudantes e alguns dos que já vivem há oito meses em Lisboa, foi a filha mais nova, Lana, 14 anos, que veio a correr despedir-se com beijos, sorrisos e o seu inglês ainda curto.

Todos sorriem nesta família. Depois de anos a tentar fugir à guerra dentro do seu país vão recomeçar numa casa da Praça de Londres com bolsas e apoios, uma raridade quando são tantos os sírios refugiados dentro e fora da Síria (9 milhões, um terço da população, está refugiada) que já se acomodaram a uma vida tão diferente da que tinham sonhado.

Saif vai fazer um doutoramento na sua área, Engenharia Petrolífera; Slava, que estudou Literatura Inglesa, planeia um mestrado. Até agora, viviam entre Damasco e a cidade curda de Qamishli, de onde a família é originária. “Foi difícil, a situação estava sempre a piorar, mas conseguimos que eles só perdessem dois meses de aulas”, conta Slava. Primeiro, tentaram uma bolsa para Lora. Não conseguiram, mas não desistiram. 

Mais hospitaleiros que outros
“Não podíamos continuar a levá-los às aulas em segurança nem a sustentá-los. Todas as empresas estrangeiras que trabalham na minha área saíram do país”, diz Saif. O engenheiro conheceu alguns portugueses em trabalho: “Eles eram muito simpáticos, gostavam de nós. E agora foram mais hospitaleiros do que os países do Médio Oriente. Estamos muito contentes por estar aqui. É um país pequeno mas com um coração muito grande”.  

Há muitos risos nervosos nesta sala de um hotel em Lisboa, sorrisos cansados e expectantes, de quem acaba de chegar para um novo começo, deixando vidas duras mas as vidas que se tinham, a família, os amigos. Há muita atenção às indicações para os primeiros dias, é preciso aprender o que é um NIF, o que fazer para aceder ao sistema nacional de saúde ou receber as bolsas. 

Já são quase 18h e todos viajaram de Beirute, onde o grupo se juntou, mas é como se o dia ainda fosse começar. Há quem siga de Lisboa para Évora, Porto ou Coimbra, onde já estão estudantes no mesmo programa. Há quem vá para a Guarda e para o Algarve, universidades que agora se juntaram à plataforma.

Jorge Sampaio dirigiu-se ao grupo: “Este é um país simpático, habituado a ter contacto com todo o tipo de países. Vocês têm um simples dever, ou prazer, que é como eu prefiro dizer, sabendo que têm vontade de regressar e de ser úteis ao vosso país devastado. Só vos peço que se integrem e, claro, que tenham boas notas no fim de cada semestre." Um pouco mais tarde, o ex-Presidente voltaria a falar para agradecer a todos os parceiros – universidades, empresas e pessoas – que tornam este projecto possível e pedir, “por favor”, para ninguém se esquecer de comer. Lembrando as viagens que ainda teriam pela frente, deixou a sugestão que arrancou a maior gargalhada da tarde: “Se tiverem malas, encham-nas com bolos.” 

Luís Gouveia, director-adjunto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, provocou aplausos com as suas boas-vindas: “Quero desejar-vos toda a sorte nos estudos e avisá-los de uma coisa sobre este país: quando se vem e se fica algum tempo, nunca se quer sair.” Hala, sorriso gigante e longos cabelos negros, tenderá a concordar. Fora da Síria há três anos, já passou por vários países europeus e esteve em Lisboa, no programa Erasmus Mundus. Volta agora para uma especialização na sua área, Gestão de Recursos Naturais. 

“Eu digo sempre aos meus amigos para tentarem vir para Lisboa. Não conheço outra cidade assim”, diz, enquanto conversa com os outros recém-chegados. Sente-se em casa e isso nota-se. 

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