Protecção individual no centro das preocupações dos bombeiros

Os novos Equipamentos de Protecção Individual dos bombeiros chumbaram na prova de fogo, ao primeiro incêndio. Corporação do concelho de Castro Daire arrumou-os e voltou a usar os antigos.

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Incêndio no Caramulo em Agosto de 2013 Data Daraselia

Os novos Equipamentos de Protecção Individual (EPI) tinham acabado de chegar à corporação dos Voluntários das Farejinhas, em Castro Daire, quando, numa madrugada de final de Julho, os bombeiros foram chamados para um fogo. A situação parecia fácil de dominar, mas o cenário complicou-se quando as fagulhas que caíam sobre dois homens mais expostos às chamas lhes queimaram os casacos. Desde então, os fatos novos estão arrumados e os antigos, de algodão, voltaram ao serviço.

Este incidente é apenas um capítulo da "saga" que tem ensombrado a entrega de novos equipamentos –compostos pelo fato, luvas, botas, capacete e máscara – aos bombeiros de todo o país, tarefa que o Governo delegou nas comunidades intermunicipais (CIM). Os fatos mais resistentes prometidos pela tutela em 2013 ainda não chegaram a todas as corporações. Nalguns casos, chegaram incompletos ou já nem chegarão este ano, porque as CIM ainda não lançaram os concursos para a aquisição – é o caso da CIM Beiras e Serra da Estrela, por exemplo.

Em Farejinhas, a corporação já recebeu todo o equipamento à excepção de 13 pares de botas, segundo o secretário executivo da CIM Viseu Dão Lafões, Nuno Martinho. Sobre os fatos queimados, o responsável assegura que este foi o único caso reportado e explica que a CIM vai testar uma amostra num laboratório independente, em Setembro. A Liga dos Bombeiros Portugueses vai fazer o mesmo.

"Quando lançámos o concurso respeitámos o caderno de encargos e as normas fornecidas pela Autoridade Nacional de Protecção Civil, e solicitámos à empresa [Secur] os comprovativos dos testes laboratoriais", garante Nuno Martinho.

Mas o problema poderá estar mesmo no caderno de encargos, sugere Rui Silva, presidente da Associação Portuguesa dos Bombeiros Voluntários. “Os equipamentos têm de seguir determinadas normas e o que está escrito [no caderno de encargos] é ‘esta norma ou equivalente’ e, como é óbvio, as normas europeias não são semelhantes às normas chinesas ou indianas”, explica.

Em Julho, era o próprio ministro da Administração Interna, Miguel Macedo, que se mostrava preocupado com o atraso, atribuindo a culpa à "juventude" das CIM. No entanto, todas as CIM contactadas pelo PÚBLICO declinam responsabilidades, apontando o dedo à demora nos processos burocráticos ou a atrasos por parte das empresas fornecedoras.

Perante os atrasos, muitas corporações de bombeiros procuraram alternativas. No concelho de Viseu - um dos mais fustigados em 2013, com os incêndios no Caramulo, onde morreram quatro dos oito bombeiros que perderam a vida no combate aos fogos no ano passado - 70 bombeiros de Nelas abdicaram dos salários para pagar novos equipamentos. Na corporação de Carregal do Sal (à qual pertenciam duas das vítimas mortais), a solução passou por uma campanha de solidariedade promovida por uma instituição bancária.

Este ano ainda não há mortes a lamentar, mas chegou a temer-se o pior, quando cinco bombeiros de Miranda do Douro foram encurralados pelas chamas, em Cicouro, em Julho. Dois deles ficaram feridos com gravidade e a viatura em que seguiam foi consumida pelas chamas.

O caso relançou um debate que dura há anos, em torno da formação dos bombeiros. Num relatório elaborado no final da época de incêndios de 2013, Domingos Xavier Viegas, do Centro de Estudos sobre Incêndios Florestais da Universidade de Coimbra, identificou "várias lacunas" a este nível, traduzidas "na falta de conhecimentos básicos sobre o comportamento do fogo".

“É necessário um programa sustentado de formação de cinco a dez anos. É preciso apostar-se na prevenção e numa formação mais prática, não apenas em salas de aula”, reivindica Fernando Curto, presidente da Associação dos Bombeiros Profissionais.

A esta junta-se ainda a questão dos meios aéreos que, informou o Tribunal de Contas no final de Julho, não estão cobertos por qualquer seguro. “É uma situação gravíssima. Se ainda não está resolvida, pode vir a haver meios aéreos parados, o que é lamentável”, sublinha Fernando Curto.

Para ajudar no combate aos incêndios, a CIM do Alto Minho chegou mesmo a avançar com uma proposta de um projecto-piloto, endereçada ao MAI, que consistia na aquisição de duas viaturas aéreas pilotadas de forma remota, os chamados drones. “Poderia ser um importante apoio para os meios no terreno, graças à capacidade de transmitir informações aos centros de comando acerca da evolução dos incêndios”, explica José Maria da Costa, presidente da CIM.

Só que, após uma reunião inicial em que o ministro Miguel Macedo garantiu que iria avaliar o projecto e as suas implicações financeiras, o autarca de Viana do Castelo não obteve qualquer resposta. “Perdeu-se a oportunidade de se ensaiar um projecto-piloto que poderia ser replicado a nível nacional”, lamenta.

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