Jornalistas da Al-Jazira condenados no Egipto

Detidos desde Dezembro, Peter Greste e os dois colegas egípcios foram condenados a penas de sete e dez anos. Sentença gera revolta

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Os jornalistas consideraram a condenação “incompreensível” KHALED DESOUKI/AFP

Um tribunal egípcio condenou a sete anos e dez anos de prisão três jornalistas da televisão Al-Jazira, num processo que é visto como exemplo da guilhotina imposta pelas novas autoridades à liberdade de imprensa no país.

O australiano Peter Greste, antigo jornalista da BBC e correspondente do canal em língua inglesa da Al-Jazira, o egípcio-canadiano Mohamed Fadel Fahmy, chefe da delegação da estação no Cairo, e o produtor Baher Mohamed foram condenados a sete anos por colaboração com “uma organização terrorista”. Mohamed recebeu uma sentença adicional três anos por posse ilegal de munições.

Outros 11 jornalistas – incluindo dois britânicos e uma holandesa –foram julgados à revelia e condenados a 10 anos de prisão pelos mesmos crimes. No banco dos réus estiveram ainda cinco estudantes egípcios e um empresário, que os três jornalistas detidos dizem nunca ter conhecido antes. Dois foram absolvidos e os restantes quatro condenados também a sete anos de prisão.

Um pequeno vídeo divulgado pelo site da estação mostra a revolta dos detidos e dos familiares após a leitura da sentença, conhecida um dia do secretário de Estado norte-americano, John Kerry, ter visitado o Cairo e pedido ao  ao Presidente Abdel Fatah al-Sisi que "respeite os direitos e liberdades de todos os egípcios. Andrew Greste, irmão do jornalista australiano, mostrou-se inconsolável com uma condenação “incompreensível”.

Na abertura do julgamento, o Ministério Público acusou os 16 egípcios de serem membros da Irmandade Muçulmana, desde Dezembro uma “organização terrorista” à luz da lei nacional, e de trabalharem para “manchar a imagem” do país. Os quatro jornalistas estrangeiros foram acusados de difundirem “mentiras” destinadas a “convencer o mundo de que o Egipto estava em guerra civil” e por fornecerem “dinheiro, equipamento e informações” aos arguidos egípcios.

O Governo australiano, que tinha pedido a imediata libertação de Greste e dos seus colegas, declarou-se em “choque” com a sentença. "Com base nas provas que foram apresentadas não conseguimos perceber este veredicto", disse ao jornal Guardian o embaixador australiano Larry King, anunciando que vai comunicar a sua perplexidade ao Governo egípcio, num exemplo seguido também pela Holanda e Reino Unido.

Esta condenação “desafia a lógica, o bom senso e qualquer noção de justiça”, reagiu também Al Anstey, director do canal em língua inglesa da Al-Jazira, dizendo que tanto os que vão continuar detidos como os que foram julgados à revelia apenas “são culpados de cobrir os acontecimentos com grande perícia e integridade”.

Acusada de ser porta-voz da Irmandade, a Al-Jazira, estação internacional sediada e financiada pelo Qatar, foi proibida de emitir e os seus escritórios no Cairo foram encerrados a 3 de Julho, no mesmo dia em que o Exército egípcio derrubou Mohamed Morsi, dirigente da Irmandade e primeiro Presidente eleito do Egipto. Greste e outros jornalistas da estação continuaram, ainda assim, a trabalhar até que, a 29 de Dezembro, a polícia invadiu os quartos de hotel que usavam como redacção improvisada.

As detenções geraram indignação e deram origem a uma campanha internacional pela sua libertação. Numa carta que conseguiu fazer sair de Tora, a prisão de alta segurança onde estão também centenas de dirigentes da Irmandade detidos no último ano, o jornalista australiano denunciou as condições de isolamento a que estão sujeitos e negou qualquer ligação à Irmandade.

Mohamed Lotfy, director executivo da Comissão de Direitos e Liberdades do Egipto, que acompanhou o julgamento como observador da Amnistia Internacional, sublinha que o veredicto é um aviso do regime egípcio "a todos os jornalistas, lembrando-os que um dia podem enfrentar um tribunal e uma sentença idêntica apenas por cumprirem o seu dever".

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