Supremo Tribunal da Índia exige inquérito ao caso de violação colectiva

A polícia não recolheu provas nem investigou. Os suspeitos não foram acusados de qualquer crime. Em Nova Deli luta-se contra tradições que não são toleráveis.

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Os 13 suspeitos, unidos por cordas, a caminho do tribunal de Birbhum AFP

O Supremo Tribunal da Índia ordenou que seja apurado com exactidão o que se passou na segunda-feira em Labphur, onde um grupo de homens violou uma mulher por ordem do chefe da aldeia. Os suspeitos foram detidos, mas a Justiça local não os acusou de qualquer crime e a polícia não recolheu provas ou testemunhos.

De acordo com a estação de televisão Al-Jazira, três juízes do Supremo Tribunal de Nova Deli estiveram nesta aldeia do distrito de Birbhum (estado de Bengala Ocidental) e disseram ter ficado “perturbados” com o crime “chocante”. Ficaram também insatisfeitos com o que ouviram e observaram sobre o comportamento da polícia e da Justiça local.

De acordo com o jornal de língua inglesa Times of India, a vítima — que os media indianos identificam como “mulher tribal”, ou seja, vive numa aldeia onde a comunidade reconhece regras próprias — foi sentenciada a ser violada pelo conselho da aldeia porque teria uma relação amorosa não autorizada com um homem de outra povoação.

A mulher, de 20 anos e que não foi identificada, terá sido denunciada por “inveja” — no julgamento tribal realizado no conselho da aldeia (o poder deste tipo de tribunais não é reconhecido na Índia) foi acusada de ter uma riqueza “suja” que dizia ter amealhado quando foi operária em Nova Deli, mas que os vizinhos suspeitavam ter outra origem. É a única habitante de Labphur cuja casa tem partes de paredes feitas de tijolo e que possui um pequeno televisor.

Para “agravar” o caso, a mulher começou a relacionar-se com um homem de outra aldeia. O casal foi apanhado e levado a julgamento no conselho da aldeia que condenou ambos ao pagamento de multas individuais de 25 mil rupias (291 euros). Ela disse que não tinha dinheiro e a sua pena (violação colectiva) foi aplicada logo de seguida. Os homens começaram a violá-la na segunda-feira à noite e a tortura durou toda a madrugada de terça, diz o Times of India citando a vítima que falou com um jornalista no hospital. O homem disse que precisava de tempo para decidir pagar ou não e saiu da aldeia.

A notícia chegou aos media regionais, destes passou depressa para os nacionais e de repente a violação colectiva (mais uma na Índia) estava nos jornais e televisões internacionais.

Os juízes do Supremo viram o impacte da notícia fora e dentro do país — as associações de mulheres contra a violência denunciaram que o crime poderia ficar impune — e decidiram ir ao local perceber o que se passou e também deixar uma mensagem clara — há regras tribais que podem ser toleradas, mas outras são crimes que têm de ser punidos, mesmo quando toda a comunidade apoia as decisões do chefe, como terá sido este caso.

Apesar de fragilizada e das tentativas dos aldeãos para a reter, a vítima, com o apoio da família, conseguiu apresentar queixa na polícia, obrigando as autoridades a agir — foi na esquadra que lhe disseram para ir ao hospital e está internada em “estado crítico mas estável”. “Os membros do conselho da aldeia disseram-lhe que haveria consequências, se fizesse queixa. Os aldeãos cercaram a casa dela, mas a mulher conseguiu fugir e vir apresentar queixa”, disse à AFP Kazi Mohammad, um polícia da esquadra de Labphur.

Feita a queixa, os aldeãos uniram-se e, quando a polícia chegou para prender os suspeitos (13 ao todo, entre eles o chefe da aldeia), as mulheres tentaram impedi-los. “As mulheres barraram a entrada dos polícias, dizendo que os homens se limitaram a fazer o que está certo: ‘Puniram a mulher imoral’”, escreve a Al-Jazira.

Levados para a esquadra, os suspeitos foram depois ao tribunal de Birbhum, mas, contou o advogado nomeado para os defender, não foi feita qualquer acusação: "Não estava lá ninguém para os acusar." 

A presença de juízes do Supremo fez mexer a máquina judicial, sabendo-se que vai haver uma investigação ao crime e que os 13 homens deverão ser formalmente acusados de violação (esta sexta-feira ainda não tinham sido). Desde o ano passado que as penas para este crime são duras — 20 anos de prisão de pena mínima, fixou a legislação aprovada apenas depois da violação, em Dezembro de 2012, de uma estudante de Nova Deli que morreu dos ferimentos provocados pela violência sexual (só um dos seus violadores não foi condenado à morte, por ser menor).

A violação é um crime comum na Índia e apenas recentemente as mulheres começaram a perder o medo de denunciar os atacantes. Entre Janeiro e Outubro do ano passado só a polícia de Nova Deli registou 1330 denúncias de violação. 
 
 
 

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