Atlântico Sul como rota alternativa para o futuro

A relevância da América Latina e de África para o futuro do país esteve em foco na conferência “Portugal na Balança da Europa e do Mundo”, organizada pelo Presidente da República.

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A importância do Atlântico Sul como uma rota alternativa para o desenvolvimento do país, no quadro das mutações introduzidas pela globalização e pela crise europeia, foi um dos pontos em destaque nas sessões da manhã da Conferência Internacional “Portugal na Balança da Europa e do Mundo”, uma iniciativa da Presidência da República, que decorre na Fundação Champalimaud, em Lisboa.

Cavaco Silva inaugurou nesta sexta-feira de manhã a conferência, que está dividida em diferentes rotas, com uma curta intervenção na qual afirmou que o objectivo é “integrar o olhar da história com a reflexão prospectiva em torno das oportunidades de cooperação e de desenvolvimento internacional”.

“Essa reflexão torna-se tanto mais urgente quanto é reconhecido existir uma nova geografia económica, cultural e política do Mundo”, acrescentou o Presidente. “A globalização promoveu novas dinâmicas transnacionais, em que a lógica dos blocos tende a ser substituída pela lógica das redes”, afirmou.

Esta reflexão foi dividida em diferentes “rotas”: a manhã ocupou-se do Atlântico Sul e do Atlântico Norte, para a tarde ficam o Oriente, o Mediterrâneo e o Médio Oriente e, finalmente, a Europa.

No último painel participarão Jaime Gama, antigo presidente da Assembleia da República e Maria João Rodrigues, actual conselheira especial do presidente da Comissão Europeia e antiga ministra de António Guterres.

Um dos painéis da manhã foi presidido pelo antigo ministro socialista Luís Amado, mostrando uma clara abertura de Belém a figuras da área socialista nesta conferência.

Entre os convidados da tarde estarão dois antigos ministros dos Negócios Estrangeiros de Espanha, Ana Palacio (conservadora) e do Egipto, Amr Moussa.

Dois Atlânticos
A tónica das intervenções da manhã esteve na forma como as alterações introduzidas pela globalização estão a mudar o quadro das relações internacionais e a forma como Portugal deve posicionar-se nesse contexto em mutação, em particular as perspectivas abertas pelos países em desenvolvimento na zona do Atlântico Sul.

Na intervenção de abertura, o historiador Francisco Bethencourt propôs um modelo de desenvolvimento apoiado nas pontes com África e o Brasil, explorando a emergência de novos mercados de consumo e de destinos de imigração cada vez mais importantes.

O historiador, que ocupa a cátedra de Charles Boxer no King’s College de Londres fez uma comparação entre o Portugal actual e o Portugal dos anos 1820 que Almeida Garrett descrevia em Portugal na Balança da Europa, que serviu de inspiração ao tema desta conferência organizada pelo Presidente da República – Portugal na Balança da Europa e do Mundo.

“O Portugal dos anos 1820 estava à deriva, sem regime definido”, referiu. A reflexão sobre a identidade e a pobreza do país que está em Garrett prolonga-se na geração de 70, na I República (uma “internacionalização falhada”), na retracção do Estado Novo às convergências conseguidas com o regime do pós 25 de Abril que a estagnação dos últimos anos e a crise global vieram pôr em causa, recolocando-nos em situação de crise.

“O posicionamento do país, hoje, é muito mais complexo do que no tempo de Garrett”, disse o historiador português.

Outro historiador, o britânico Kenneth Maxwell, autor de “A Construção da Democracia em Portugal” fez uma comparação entre as crises da América do Norte e da Europa, que considerou idênticas. “Vivemos um momento de crescente incerteza sobre o futuro. A crise é essencialmente a mesma dos dois lados do Atlântico: o estado social é sustentável? Como poderá ser financiado? Terá o sistema político essa capacidade de resposta?”

O diagnóstico do historiador, bem como o do seu parceiro de painel, o economista do Banco Mundial, Nuno Mota Pinto, foi no sentido de avaliar a forma como a instabilidade no bloco transatlântico está a afectar a sua credibilidade e capacidade de gestão da crise, ao mesmo tempo que a sua importância económica diminui.

Com uma diferença relevante, sublinhada por Keneth Maxwell: os Estados Unidos estão a conquistar grandes mais-valias no terreno da energia, enquanto a Europa está a perder competitividade, sobretudo quanto aos países do Sul da zona euro.

“O acordo comercial transatlântico [entre os Estados Unidos e a União Europeia] é muito importante neste contexto e um sinal que ambos entendem a importância desta perda de influência a nível global”, defendeu Mota Pinto.

Para o economista, o bloco transatlântico precisa de encontrar um novo parceiro global “para se manter competitivo. E esse parceiro é a América Latina”, afirmou Nuno Mota Pinto, para quem Portugal precisa de repensar os pilares da sua afirmação internacional.

“Os nossos três pilares continuam a ser a Europa, a lusofonia e a relação transatlântica, mas temos que os encarar como um ponto de partida, não como um destino”.

O antigo ministro dos Negócios Estrangeiros e actual presidente do Banif, Luís Amado, fez também a defesa da relevância do espaço do Atlântico Sul: “Estamos a assistir a uma emergência do Atlântico Sul, a uma afirmação da América Latina, mas também de Africa como continente do seculo XXI que arrastará o crescimento na segunda metade do século e será um pólo de competição entre os sistemas do Índico, do Pacífico e do Atlântico na primeira metade do século.”
 

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