Uma urbanização “terceiro-mundista” chegou à televisão nesta campanha

Na Colónia Experimental de Villaverde Alto, em Madrid, há 408 famílias a viver em 28 blocos. A ordem judicial para que a administração fizesse obras tem dez anos e está por cumprir.

Foto
Ninguém se lembra da última vez que se falara da Experimental na televisão DR

Uma “ilha abandonada”, diz Emilio Gala, 44 anos, que em 2011 comprou casa para si e para os filhos mas já se desfez do beliche dos miúdos. “Não quero que respirem este ar, prefiro que estejam com a mãe e eu vou vê-los a casa dela”.

“Um perigo de saúde pública”, lê-se na sentença do Tribunal Supremo de Madrid com dez anos. Um pedaço de Madrid “terceiro-mundista”, descreve María Ángeles, 61 anos, empregada de limpeza numa escola, de baixa por causa de uma inflamação de pele que lhe incha e avermelha as mãos. Também podia ser pela depressão ou pela claustrofobia que acaba de lhe ser diagnosticada.

Mãe de três filhos, vítima de violência doméstica durante quase 40 anos, María Ángeles vive numa cave da Colónia Experimental de Villaverde Alto porque foi aqui que o Instituto de la Vivienda de Madrid (IVIMA) lhe encontrou uma habitação social. Paga 150 euros de renda, recebe 440 de ordenado. São 14h e não entra fio de luz nesta casa de duas divisões. “Prefiro passar os dias na rua, mesmo com os cheiros.”

Angelines, 83 anos, diz que já nem se lembra de viver noutro sítio. Chegou com nove anos a Villaverde e a casa onde vive desde que casou, 35m2, está igualzinha ao que era em 1957, quando foi construída, sem poliban ou banheira, prédio sem elevador. Na altura foi uma bênção, vinha de uma ainda pior.

“Só saio dois dias por uma semana, vem uma rapariga ajudar-me a descer e o carro do centro de dia apanha-me lá em baixo”, conta. “Gostava que a casa fosse arranjada, e os passeios, para poder sair?” Angelines, que toma banho sentada na retrete, está cansada de desejar coisas que não acontecem. “Só quero que não me despejem, cada vez que vejo um despejo na televisão tenho dores no corpo”, diz na sua voz fina de corpo magro, cabelo branco, óculos de lentes grossas, bata vermelha e casaco de malha.

Aqui já viveu com o marido, a sua mãe e a avó, mais três filhos. Uns morreram, dois filhos casaram, sobra Fernando, o mais novo, 43 anos, com quem ela partilha o quarto, ele na parte de cima do beliche, ela na de baixo.

A Experimental foi construída pela Obra Sindical del Hogar de Franco. Vinte e oito blocos de 408 casas, entre os 35 e os 47m2. Em tempos de miséria, os prédios de três andares e preços simbólicos, com tectos baixos e divisões minúsculas, num sistema de rendas com direito a compra, pareceram a muitos um pequeno milagre. Mas quando o IVIMA tomou posse da urbanização, em 1994, começou a pressionar os inquilinos para comprarem, dizendo-lhes que “iam perder as casas se não o fizessem”, explica Miguel Castrillo, membro do corpo jurídico da Associação de Vizinhos La Incolora.

O problema é que o IVIMA nunca fez obras na Colónia, com excepção de um bloco, o número 5 da Rua Guadalaviar, um óvni cinzento entre o amarelo descolorado, o rosa e o salmão dos outros blocos, manchas de humidade verdes que sobem do chão ou descem dos telhados, tinta a cair, rachas onde cabe um dedo, esgotos abertos, caves que se inundam quando chove e onde a água chega aos cabos eléctricos à vista ou aos contadores com portas presas com cordas.

Quedas e doenças
Villaverde Alto não é um bairro fácil, é grande e atravessado por vias rápidas e pequenos complexos industriais. Mas não é no fim do mundo. Aliás, a linha 3 do metro, que começa na Moncloa, residência oficial do primeiro-ministro desde o fim da ditadura, segue direitinha até à estação de Villaverde, atravessando o bairro. Aqui, vive-se remediado.

Mas na Experimental, com os seus blocos erguidos no meio do bairro há 48 anos, vive-se em risco. Risco de cair nos passeios altos e nos buracos, como Anunciación, 66 anos, desde os 14 a viver aqui, de muletas por causa da última queda, há seis meses. “Tenho vergonha de dizer que vivo aqui.”

Risco de desenvolver ou piorar doenças como fibromialgia, artrose ou cansaço crónico, como Emilio, “enganado” pelo banco, que comprou a casa vendo que a fachada tinha problemas mas acreditando que podia dar aqui um lar aos filhos, arranjando o interior.

Oito meses depois de ter arranjado o apartamento, Emilio viu o chão flutuante levantar-se e as rachas abriram-se no tecto e nas paredes. Na altura, já travara conhecimento com as baratas que se passeiam pelo prédio, com o cheiro nauseabundo da fossa séptica que tem debaixo da janela da cozinha do seu primeiro andar, com os insectos e com o lixo por recolher.

“A lei está do lado deles, a sentença obriga o IVIMA a fazer as obras, já apresentámos mais de cem reclamações por incumprimento”, diz Miguel Castrillo. Entretanto, há mais decisões dos tribunais, mas nem a Comunidade de Madrid, de que o IVIMA faz parte, nem a câmara fizeram nada.

“As deficiências de que padecem as casas devem-se a defeitos construtivos e à falta de conservação, tanto do edifício como das casas em que vivem os queixosos e nas instalações da urbanização, essencialmente deficiências na rede de saneamento, defeitos de construção das fachadas e ausência de drenagem e pavimentação adequada”, lê-se na sentença, que obriga a Administração “a reparar as deficiências existentes”.

Em período de campanha, a Experimental recebeu visitas. Vieram os candidatos da Esquerda Unida, veio a ex-juíza Manuela Carmena, cabeça de lista da coligação Ahora Madrid para a câmara, veio Ángel Gabilondo, candidato socialista à Comunidade de Madrid.

Na terça-feira, no debate que a opôs a Esperanza Aguirre na Telemadrid, Carmena perguntou à candidata do PP pela sentença por cumprir. Afinal, Aguirre presidiu à comunidade entre 2003 e 2012 – a decisão é de 2005. “Não tenho conhecimento”, respondeu. Ninguém se lembra da última vez que se falara da Experimental na televisão. A Emilio custa-lhe encontrar uma resposta para a candidata popular: “Nem sabe que existimos”.

Sugerir correcção
Comentar