Editorial: Uma nova ordem mundial?

Há qualquer coisa no confronto entre Ucrânia e Rússia que vai muito além de um conflito entre esses dois países.

Está em curso um redesenho da Europa Oriental, para o qual não há um mas vários cenários catastróficos possíveis. Em poucos dias, Moscovo conseguiu uma anexação passiva, já consumada, da Crimeia, sem disparar um tiro. Prepara-se para desestabilizar as regiões russófonas do Leste da Ucrânia, vitais para o equilíbrio interno e para a economia deste país. Quanto maior for a pressão russa, maior será a força dos grupos paramilitares de extrema-direita ucranianos, que, por sua vez, são o argumento invocado por Moscovo para legitimar a sua intervenção. A Ucrânia está a um passo de mergulhar no caos, o que terá consequências inimagináveis para a Europa.

Mas há mais. Ao reagir com esta violência contra a Ucrânia, Putin desafiou os equilíbrios geopolíticos mundiais e está disposto a alterá-los. Quando a chanceler Merkel disse ao Presidente Obama que o líder russo estava fora da realidade, não percebeu que Putin está noutra realidade. Não lhe interessam as regras do Ocidente nem ser parte do equilíbrio da globalização. Decidiu dar um passo no desconhecido, como se quisesse liderar um novo bloco geopolítico. No imediato, a Rússia ganhou uma enorme influência no Médio Oriente e pode destruir a política norte-americana para a região, em particular as negociações com o Irão, infligindo uma enorme derrota a Obama.

Mas não tem muito mais. A China não hostiliza a intervenção na Crimeia, mas não está a mostrar nenhum tipo de entusiasmo: espera para ver. Putin joga duro e o Ocidente ainda vai dormir como se toda a gente no mundo fosse bem-educada. A Rússia não tem força nem consistência económica para o que Putin quer fazer. O regime poderá ser a vítima de um passo maior que a perna, mas nada ficará como dantes depois da Crimeia. A ordem mundial já mudou. E caminha para uma desordem muito perigosa.

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