Um mundo pior para milhões de crianças

Celebrar os 25 anos dos Direitos da Criança sem mudanças reais é não só irónico como hipócrita.

Agora que se aproxima o Natal e, devido a ele, se fala com maior insistência nas crianças, há razões acrescidas para dar ouvidos aos avisos da UNICEF, no seu recente relatório. É que não se trata de mais um conjunto de estatísticas sobre o sofrimento infantil nos países onde ele é mais visível e constante. É, acima de tudo, um quadro negro da condição das crianças neste décimo quarto ano do novo século e do novo milénio, um quadro que no lugar da esperança (que se julgou possível) coloca ainda mais dor e sofrimento. Não foi em vão que o Nobel da Paz distinguiu, este ano, dois paladinos da luta pelos direitos das crianças no mundo: a jovem paquistanesa Malala Yousufzai e o activista indiano Kailash Satyarthi. Mas estas distinções andam a par com um dramático agravamento da situação. Este ano, 15 milhões de crianças em todo o mundo terão sido directamente afectadas por conflitos armados (segundo a UNICEF, haverá 230 milhões de crianças a viver em países em guerra) e isso significa não apenas fome mas todo o tipo de violências, da orfandade pelo assassinato dos pais até à tortura, à escravatura, à violação, mutilação e morte. Nos registos oficiais, tendemos a ler estas brutalidades como itens descritivos, necessários aos relatórios e à descrição factual do que se passa em terrenos socialmente minados. Mas se imaginarmos que este rol de atrocidades tem rostos, milhões de rostos que nos interrogam fixamente sem que daí obtenham salvação ou misericórdia, então encararemos com maior seriedade e responsabilidade estes avisos. Para lá do que se vai decidindo nas instâncias internacionais, tudo o que possa ser feito para minorar o sofrimento dessas crianças (e isso passa, em primeiro lugar, por reduzir o impacto dos conflitos armados na vida das populações) será bem-vindo. Celebrar os 25 anos da Convenção dos Direitos da Criança sem que isso signifique mudanças reais é não só irónico como tristemente hipócrita.

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