Será possível reinventar a Europa?

A capital desta Europa da União está atormentada com novos desafios internos e externos, consciente da fragilidade que lhe é imposta por não ter poder militar próprio e também pressionada pela urgência de reflectir sobre o seu próprio destino.

Será possível reinventar esta Europa em crise, dividida por questões antigas e outras muito mais recentes, mas todas elas resultantes do natural processo de evolução histórica que tende, neste caso concreto, a tornar os ricos mais ricos e os pobres mais pobres, o Norte agressivo e desconfiado em relação ao Sul, as nacionalidades e regiões em busca de independências referendadas e as populações preocupadas com a segurança quotidiana que as ameaças do terrorismo islâmico perigosamente põem em causa?

Eis algumas das perguntas que irão ser feitas e parcialmente respondidas em Les Journées de Bruxeles, que o Nouvel Observateur e o espaço “Bozar” promovem nos dias 10, 11 e 12 de Outubro na capital belga, com presenças tão sonantes como as de Jacques Delors, Valéry Giscard D'Estaing, Felipe Gonzalez e Herman van Rompuy, entre muitos outros, distribuídos por painéis em que serão glosados os temas do futuro da União Europeia, da cultura como barragem contra o populismo, da cidadania, do desemprego, do desenvolvimento e das várias formas de emigração.

Que esperar de tantas intervenções, de tantos discursos, do confronto civilizado de experiências antagónicas e de tantas interrogações e inquietações que os cidadãos e os Estados colocam no topo das suas agendas de reflexão? A verdade é que as perguntas são muito mais intensas e frequentes que as respostas, já que as certezas cederam a vez a temores antigos, a desconcertantes perplexidades e à emergência de desafios que ainda há poucos anos pareciam pura especulação temática.

Porém, como se este esforço de reflexão e debate não fosse bastante, Bruxelas voltará a receber representantes das elites intelectuais, nos dias 6 e 7 de Novembro, numa iniciativa intitulada “Good Morning Europe” que, além da presença do rei Filipe da Bélgica, contará com as intervenções de Jean-Claude Juncker, Federica Mogherini, vice-presidente da Comissão Europeia e representante da UE para os Negócios Estrangeiros e Política de Segurança, de Donald Tusk, o polaco que preside ao Conselho da Europa, e de Martin Schultz o dinâmico presidente do Parlamento Europeu, para além dos primeiros-ministros da França e da Bélgica, respectivamente Manuel Valls e Elio di Rupo. Convidados são às dezenas, intervenientes confirmados também e os temas muito diversificados e apelativos. Aguardam-se os resultados.

Dir-se-á que este intenso programa é determinado pelo início de um novo ciclo político decorrente das recentes eleições europeias. Mas, na verdade, trata-se de muito mais do que isso. A capital desta Europa da União está atormentada com novos desafios internos e externos, consciente da fragilidade que lhe é imposta por não ter poder militar próprio e também pressionada pela urgência de reflectir sobre o seu próprio destino, sendo tão dispendioso o seu funcionamento e tão limitado o peso da sua voz quando tem de a confrontar com a da Alemanha ou a do Estados Unidos. Talvez por isso, uma das perguntas que dão título a um dos painéis do primeiro encontro é justamente: “Ainda Podemos Amar a Europa?” Claro que todos vão responder que sim, mas resta saber que Europa, com que líderes e protagonistas, com que estratégias e políticas de paz, cooperação e desenvolvimento.

Figuras destacadas da cultura como Michel Onfray, Peter Schneider, Eric-Emanuel Schmitt, Jacques Attali ou Erri de Luca irão opinar sobre o papel que os livros e as ideias poderão ter na elaboração do diagnóstico do estado desta Europa que se quer reinventar mas que talvez seja levada a concluir, amargamente, que com estas pessoas e as regras vigentes não o conseguirá fazer. Se fosse possível garantir a presença de Shakespeare, Ibsen, Cervantes, Camões, Goethe, Da Vinci ou Mozart talvez as respostas pudessem ser outras, ou nenhumas, concluindo todos que o tempo das grandes respostas ainda não chegou e que a própria cultura já viveu melhores dias neste continente inquieto.

Lendo a lista dos convidados confirmados, creio não ter visto o nome do poeta, ensaísta e filósofo alemão Hans Magnus Enzenberger, autor, entre muitos outros, de um livro bastante incómodo sobre o funcionamento e os custos da União Europeia, agravados por uma teia burocrática muito extensa e complexa. Talvez fosse recomendável escutar a sua voz nestes debates sobre o futuro e o desejo de reinvenção.

Em meados de Novembro, cumpridos estes dois eventos, não creio que se chegue a alguma conclusão inovadora e vinculativa. Mas sempre poderá dizer-se que o diálogo não foi evitado e que se falou com frontalidade e coragem. Mas será assim que se reinventa e oferece um novo fôlego a um continente em crise?

Escritor, jornalista e presidente da Sociedade Portuguesa de Autores

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