Rouhani, o Presidente do Irão, desejou bom ano novo aos judeus

Não há quem se lembre de uma coisa assim. Os analistas tentam perceber se a inédita cortesia é mais do que isso — será uma abertura ao inimigo histórico.

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Mohammad Javad Zarif está a revolucionar as relações com Israel, pelo menos no Twitter BEHROUZ MEHRI/AFP

Na quinta-feira, a movimentação diplomática entre o Irão e Israel foi intensa e passou quase despercebida. O canal diplomático usado foi a rede social Twitter, onde, para surpresa da parte do mundo que estava atenta, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Mohammad Javad Zarif, desejou bom Rosh Hashanah aos judeus, que mudaram de ano e começaram a celebrar ao pôr do sol de quinta-feira.

Uma das pessoas que estava atenta era Christine Pelosi, a filha de 47 anos da ex-presidente da Câmara de Representantes do Congresso americano, Nancy Pelosi.

Zarif: Enquanto o sol de põe em Teerão, desejo a todos os judeus, em especial aos judeus iranianos, um abençoado Rosh Hashanah.

Pelosi: Muito obrigada. A notícia seria ainda mais doce se deixassem de negar o Holocausto.

Zarif: O Irão nunca negou o Holocausto. O homem que negou isso já cá não está. Bom ano.

Mais ou menos pela mesma altura, na conta de Twitter em nome do Presidente Hassan Rouhani caiu uma mensagem idêntica — desejos de bom Rosh Hashanah aos judeus.

A mensagem de Rouhani, foi depois esclarecido pelos canais oficiais, não foi escrita pelo próprio mas pelos assessores que mantêm a conta em seu nome nesta rede social. Deve, por isso, ser considerada semi-oficial, disse à CNN uma fonte apresentada como colaborador próximo do Presidente.

Parte da razão porque quem deu pelas mensagens se manteve calado, foi a incredulidade: os jornalistas quiseram confirmar que eram verdadeiras e escritas por quem as assinava. "Acabei de falar com o ministro dos Negócios Estrangeiros iraniano e ele confirma o twett desejando bom ano novo aos judeus no Irão e em todo o mundo", escreveu a jornalista Christiane Amanpour noutra rede social, o Facebook.

Ainda assim, as palavras dos iranianos espantaram os analistas mais experientes: "Não tenho memória de uma mensagem deste teor, nem durante o tempo da monarquia", disse ao jornal do Médio Oriente Al-Monitor o iraniano Haleh Esfandiari, que dirige o programa de estudos do Irão no Woodrow Wilson International Center, em Washington.

Esfandiari minimizou as explicações oficiais sobre a origem do Tweet de Rouhani. Os assessores não se atreveriam a escrever uma mensagem cujo conteúdo não fosse do conhecimento, ou não tivesse a aprovação, do Presidente, sobretudo numa matéria tão sensível. O Twitter, explicou o académico, é uma ferramenta útil para o novo Presidente iraniano passar, em inglês, mensagens para fora do Irão, e foi isso que aconteceu agora.

Rouhani, um clérigo xiita, foi eleito Presidente em Junho e tomou posse dizendo que desejava pacificar as relações do Irão com o resto do mundo. Já se sabia que a sua presidência deveria contrastar com a do seu antecessor, Mahmoud Ahmadinejad — o homem que negou o Holocausto —, mas as mensagens de boa vontade, além de criarem perplexidade deixaram uma dúvida: qual foi a intenção? Um mero gesto de cortesia perante o calendário judeu (sendo que o Irão é onde vivem mais judeus fora de Israel no Médio Oriente, perto de nove mil), ou uma revolução na maneira como as novas autoridades de Teerão se querem relacionar com o inimigo histórico, Israel, um estado que Teerão não reconhece?

Hassan Rouhani anunciou na quinta-feira que Zarif é o novo negociador da questão nuclear. O ministro, classificado como um moderado, que depois do Tweet foi entrevistado pelo site de informação Tasnim, disse que o seu objectivo é "acabar com a inquietação internacional uma vez que as armas nucleares não têm lugar na política da República Islâmica". Foi, disse, o que transmitiu à chefe da diplomacia da União Europeia, Catherine Ashton, com quem falou ao telefone logo após a notícia da sua nomeação.

O ministro que estudou nos EUA e mantém relações de amizade com muitos diplomatas ocidentais — e que alguns já vêem como o instrumento de Rouhani nesta sua nova forma de relacionar o Irão com o mundo —, respondeu ainda a questões sobre o Holocausto: "Condenamos o massacre dos judeus pelos nazis", disse, mas acrescentou que o Irão "também condena o massacre dos palestinianos pelos sionistas". "Desejamos bom ano a todos os nossos compatriotas cristãos e temos uma minoria de judeus que está representada no parlamento por um deputado. Nada temos contra os judeus e contra o judaísmo, mas não permitimos que os sionista apresentem o Irão como antisemita e que continuem a fazer a sua propaganda para reprimir o povo palestiniano".

Esta sucessão de declarações fez criar uma grande expectativa sobre o discurso (o seu primeiro enquanto chefe de Estado) de Hassan Rouhani nas Nações Unidas. Será na abertura da Assembleia Geral, em Nova Iorque, no dia 17 de Setembro.

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