“Batalha” no Parlamento ucraniano impede solução para a crise

Oposição e Presidente cada vez mais inflexíveis à medida que começam a escassear vias pacíficas para acabar com confronto no país.

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Manifestante assiste ao debate na Praça da Independência em Kiev ARIS MESSINIS/AFP
A Praça da Independência de Kiev na manhã desta quarta-feira
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A Praça da Independência de Kiev na manhã desta terça-feira Vasily Fedosenko/Reuters
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Membros do governo demissionário abandonam o Parlamento devido aos gritos de "Morte"

Ao fim de 75 dias de insurreição nas ruas de Kiev, sem precedentes desde o colapso da União Soviética, tudo parecia mudar e tudo acabou por ficar na mesma. O Parlamento reuniu esta terça-feira com bancadas barulhentas, gritos de “Assassinos!” e invocações do risco de uma guerra civil. Intervalo de duas horas e 25 minutos depois o presidente da Rada Suprema deu por encerrada a sessão.

Os deputados discutiam uma proposta de revisão da Constituição ucraniana para repor o status quo de 2004, o que implicaria uma perda considerável dos poderes presidenciais. A expectativa era demasiado elevada. Na véspera, Iuri Mirochnichenko, o representante do Presidente Viktor Ianukovich, tinha deixado no ar a possível abertura do Presidente para convocar eleições antecipadas, como forma de resgatar o país da crise que atravessa há mais de dois meses.

O editor do jornal ucraniano de língua inglesa Kyiv Post, falava de “um raio de esperança”. “Pela manhã, desapareceu”, observou Brian Bonner. Mirochnichenko veio esclarecer as suas declarações, afirmando que essa “questão é actualmente irrelevante”. Outra declaração matinal veio desfazer o “raio de esperança” restante. Referindo-se à revisão constitucional proposta pela oposição, Andrei Portnov, vice-chefe da administração presidencial considerou-a uma "tentativa fútil sem qualquer perspectiva legal".

O Parlamento chegou, uma vez mais, a um impasse, com a oposição e os partidos que apoiam Ianukovich – Partido das Regiões e Partido Comunista – totalmente entrincheirados nas suas posições. Durante a tarde, o líder do Udar (Murro), Vitali Klitschko, deslocou-se ao edifício da Administração Presidencial para reunir directamente com Ianukovich. Novo impasse. “O Presidente disse-me que as mudanças constitucionais vão demorar entre um e seis meses”, revelou o ex-pugilista, que o acusou de “tomar uma posição irresponsável”.

Com a via parlamentar aparentemente esgotada, o futuro da Ucrânia está cada vez mais incerto. A próxima grande decisão deverá ser a nomeação do Governo, depois da demissão do primeiro-ministro Mikola Azarov, na semana passada. O apaziguamento nas ruas pode depender desta decisão do Presidente Viktor Ianukovich. Um sinal positivo seria a escolha de um Executivo tecnocrata ou que privilegie um equilíbrio entre a oposição e a maioria. Mas, segundo a Reuters, o mais provável será a indicação de um gabinete liderado por Andrei Kliuev, chefe da Administração Presidencial, considerado da linha dura que esteve por trás das violentas cargas policiais sobre os manifestantes.

O timing da nomeação também ainda não é conhecido, embora seja previsível que Ianukovich queira resolver a questão do Governo antes de se deslocar a Sochi (Rússia), para na cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos de Inverno, na sexta-feira. A Rússia fez depender o acordo com a Ucrânia da formação de um Governo do seu agrado, e Ianukovich pode aproveitar o encontro com Vladimir Putin para lhe apresentar o seu plano.

À medida que o tempo vai passando, ambos os lados do conflito vão coleccionando fragilidades, embora o impasse pareça favorecer mais Ianukovich. Os jogos de poder na Ucrânia são muito determinados pelo apoio dos oligarcas mais influentes. Um deles, Rinat Akhmetov, o homem mais rico do país, publicou um comunicado no final de Janeiro a condenar o uso da violência sobre os manifestante e a apelar a vias pacíficas de resolver o conflito.

A notícia foi vista por vários analistas como um importante sinal de que as lealdades das classes mais ricas poderiam estar a mudar com o rumo dos acontecimentos. Akhmetov fez fortuna na indústria da exploração mineira na região de Donetsk – onde também é proprietário do clube de futebol Shakhtar Donetsk – e impulsionou a carreira política de Ianukovich. No entanto, “os oligarcas mantêm boas relações com a oposição como uma medida de segurança”, explicou ao The Guardian o analista Volodimir Fesenko. A declaração de Akhmetov foi seguida da primeira concessão de Ianukovich à oposição, quando convidou dois dos líderes a integrarem o Governo, algo que não é considerado propriamente um acaso.

A oposição sofre também de pressões crescentes, sobretudo a nível interna. Acumulam-se os indícios de que as ruas já não são controladas pelos principais partidos e que os grupos mais extremistas pretendem ganhar protagonismo a expensas das vias pacíficas. Exemplo disso foi o episódio recente da resistência oferecida por membros de um grupo que ocupavam um edifício ministerial, chegando mesmo a enfrentar parceiros da oposição. Mais recentemente, o líder do “Sector Direito”, uma organização de extrema-direita considerada violenta, reivindicou a participação directa nas negociações com o Governo.

A própria natureza da coligação tripartida que compõe a oposição começa a revelar algumas brechas. Um indício é, por exemplo, o constante afastamento do partido nacionalista Svoboda, cujo líder ficou de fora da proposta de Governo feita por Ianukovich e também não foi convidado para Conferência de Segurança de Munique no fim-de-semana.

Para já, a oposição tem encontro marcado esta terça-feira com a chefe da diplomacia europeia, Catherine Ashton, onde será certamente discutido o plano de ajuda financeira à Ucrânia. Em preparação estará um programa de financiamento que vai depender de reformas políticas e económicas. No entanto, Bruxelas veio esclarecer que não se trata de um programa diferente do que já estaria acordado no âmbito da parceria com a UE e que Ianukovich recusou em Novembro. “Não concordamos com a ideia de que para um país se juntar a um acordo [com a UE] seja necessário pagar por isso”, afirmou o presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, citado pela Reuters.

Sanções geram discórdia

A possibilidade de aplicação de sanções à Ucrânia foi suscitada nesta terça-feira pelo ministro dos Negócios Estrangeiros alemão, Frank-Walter Steinmeier, que defendeu a sua utilização como uma “ameaça” para que seja alcançada uma solução política para a crise. A posição de Steinmeier suscitou alguma estranheza, uma vez que a própria chanceler Angela Merkel havia afastado esse cenário em declarações recentes.

A diplomacia ucraniana reagiu de imediato e chamou o embaixador alemão em Kiev. Através de um comunicado, o Ministério dos Negócios Estrangeiros afirmou que é necessária “uma avaliação objectiva” do progresso das negociações em curso antes de se passar à aplicação de sanções e advertiu ainda que “as declarações provocatórias devem ser evitadas”. Varsóvia saiu em defesa da Ucrânia, considerando que as sanções devem ser afastadas enquanto o diálogo se mantiver.

A posição da UE tem sido a de evitar a via das sanções. Já os EUA e o Canadá já tenham procedido à aplicação de algumas medidas nesse sentido, na sequência dos episódios de repressão violenta das manifestações.

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