Morsi diz em tribunal que é o Presidente legítimo do Egipto

"Sou o Presidente da República e este tribunal é ilegal", disse o líder islamista no início do processo em que é acusado de incitação à morte de manifestantes. Nova sessão foi marcada para 8 de Janeiro.

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Alguns apoiantes de Morsi estão reunidos à porta da Academia da Polícia Amr Abdallah Dalsh/Reuters

Quatro meses depois de ter sido deposto pelos militares, Mohamed Morsi, o primeiro Presidente eleito do Egipto, começou nesta segunda-feira a ser julgado por incitação à morte. Rodeado de impressionantes medidas de segurança, o julgamento é visto pelos seus apoiantes como mais um episódio da campanha para esmagar a Irmandade Muçulmana, que, apesar dos avisos, voltou a convocar os seus militantes para as ruas.

Morsi, sob custódia do Exército num local secreto desde o golpe de 3 de Julho, foi levado para o tribunal de helicóptero, um procedimento que assemelha ainda mais este julgamento ao do seu antecessor, Hosni Mubarak, levado a tribunal também meses depois da revolução de 2011 para responder por cumplicidade na morte de manifestantes. Mas se na altura o Egipto vivia ainda dias de entusiasmo revolucionário, agora o poder é de novo dos generais, que, com o apoio de uma fatia da população, decapitaram a Irmandade Muçulmana ao ponto de o movimento islamista, vencedor de todas as eleições desde 2011, ter dificuldade em mobilizar os seus apoiantes.

O julgamento, no qual não são permitidas câmaras ou máquinas fotográficas, começou a meio da manhã, mas o juiz teve de suspender várias vezes os trabalhos face às interrupções e palavras de desafio de Morsi.

Do banco dos réus, o Presidente deposto gritou o slogan "Abaixo o governo ilegítimo" e dirigiu aos juízes o gesto que se tornou símbolo da revolta da Irmandade – quatro dedos erguidos, ou rabaa, palavra que em árabe significa quatro mas que é também o nome da praça onde, em Agosto, centenas dos seus apoiantes foram mortos.

"Sou o Presidente da República e este tribunal é ilegal", gritou Morsi, aplaudido por Essam al-Erian e Mohammed al-Beltagui, dois dos 14 co-arguidos neste processo. Ao final de algum tempo, o juiz deu a sessão por encerrada, marcando a próxima sessão para 8 de Janeiro.

Irmandade denuncia processo político
Os 15 arguidos, todos dirigentes da Irmanda, respondem em tribunal pela morte de sete pessoas, no final do ano passado, durante uma manifestação frente ao palácio presidencial, num momento de viragem para os destinos da Irmandade.

Há poucos meses no poder, Morsi aprovara um decreto isentando as suas decisões do controlo dos tribunais superiores – o terceiro vértice na luta de poder entre a Irmandade e o Exército. A oposição viu no gesto a confirmação das suspeitas de que Morsi planeava governar de forma totalitária e convocou manifestações para o palácio, levando a Irmandade a pedir aos seus apoiantes que saíssem em defesa do Presidente. Pelo menos sete pessoas morreram nos confrontos.

O movimento islamista, que foi entretanto banido e viu os seus bens confiscados, não reconhece legitimidade ao tribunal e convocou de novo as suas fileiras para manifestações no Cairo a favor da libertação de Morsi. “Temos fé que o povo heróico do Egipto não vai abdicar da sua liberdade, dignidade e vai em vez disso pôr de joelhos este tribunal injusto”, adianta um comunicado da Irmandade.

Algumas centenas de pessoas reuniram-se nesta segunda-feira frente à Academia de Polícia, a leste da capital, mas a forte presença policial deverá desincentivar grandes protestos. As forças de segurança mobilizaram mais de 20 mil polícias e soldados para as ruas, que se somam aos postos de controlo, e a Praça Tahrir, epicentro de quase todos os protestos desde a revolução, foi fechada com veículos militares e arame farpado. “Se a Irmandade cometer alguma violação, vão lamentá-lo”, avisou o responsável do Interior do governo interino, num alerta que recorda a violenta repressão das manifestações de Agosto quando centenas de islamistas foram mortos e mais de mil foram detidos.

Antes de o julgamento começar, a Amnistia Internacional alertou que o julgamento será um “teste para as autoridades egípcias” e que Morsi deve ter direito “a contestar as provas que foram produzidas em tribunal”. “Não o fazendo, vão aumentar as dúvidas sobre os motivos por trás deste julgamento.” O secretário de Estado norte-americano, que visitou domingo o Cairo, pediu também um “julgamento justo” para o Presidente deposto, dando a entender que o processo servirá também para avaliar a credibilidade do plano que apresentaram para o regresso da democracia.

Os advogados de Morsi não reconhecem legitimidade ao processo, mas vão assistir ao julgamento para “vigiar o cumprimento do processo judicial”.

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