Líder do golpe de Estado em São Tomé diz que em nenhuma circunstância se arrependeu

Lutaram contra o regime de partido único que resultou da independência de São Tomé e Príncipe. Mas fizeram a luta armada contra outros regimes marxistas, a mando do Governo do apartheid na África do Sul. Não combateram em território nacional. Nem tiveram o percurso da UNITA em Angola, ou da Renamo em Moçambique. Mas têm semelhante discurso: "Optámos pela luta armada, porque o regime não cedia".

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O major Fernando Pereira era até à sublevação de 16 de Julho, o director do Gabinete do Comandante do Chefe de Estado Maior das Forças Armadas Desirey Minkoh/AFP

O major Fernando Pereira era até à sublevação de 16 de Julho, o director do Gabinete do Comandante do Chefe de Estado Maior das Forças Armadas, função que poderá ou não continuar a exercer. Declarou que o "golpe não foi contra o Governo, nem contra o Presidente, foi contra o estados das coisas".

Nunca encontraram apoios - foram expulsos do Gabão, em 1986, altura da reconciliação do MLSTP com o Presidente gabonês Omar Bongo e sempre indesejados em São Tomé. Têm no currículo uma incursão falhada em território são-tomense, em 1988, em nome da então Frente de Resistência Nacional de São Tomé e Príncipe - Renovada (FRNSTP-R).

Esta ala ficou na Républica dos Camarões, enquanto a outra se refugiou na Namíbia, sob controlo sul-africano, e veio a participar no batalhão-Búfalo. "Fizemos incursões em tudo o que era país inimigo da África do Sul", contou ao PÚBLICO, o líder do grupo, Arlécio da Costa. Mais tarde, foram pagos para fazer a guerra ao lado das forças governamentais de Angola ou Serra Leoa.

A história juntou estes dois grupos pertencentes à antiga FRNSTP no golpe de Estado da semana passada, já pela bandeira da Frente Democrática Cristã (FDC), criada em 1990.

O partido não tem expressão. Apenas obteve 156 votos nas eleições de 1995. Mas diz-se que são temidos pelo Governo, e por isso conseguem negociar como nenhum outro partido, apesar da sua quase inexistente representação.

E nem por isso os seus dirigentes desistiram da ideia de um dia chegar ao poder, mesmo se não era essa a motivação expressa pelos autores do golpe. "Este acto foi um acto nacional", disse Arlécio da Costa, líder da FDC. "Permitiu transmitir uma mensagem" num país com "oportunidades limitadas de diálogo". Diz-se que souberam do descontentamento das Forças Armadas antes de contactarem o major Fernando Pereira, de quem vieram a ter apoio para um golpe que fizeram para serem "ouvidos e reconhecidos".

"Não queremos integrar as Forças Armadas, mas somos profissionais em matéria militar", acrescentou. "Nós somos são-tomenses", repetiu mais de uma vez, antes de contar a história que os levou de São Tomé ao Gabão, do Gabão aos Camarões ou à Namíbia, e da Namíbia de volta a São Tomé, com paragem por muitas guerras do continente africano.

"Combatemos em Angola ao serviço da Executive Outcomes"

Com o fim do apartheid e o desmantelamento do batalhão-Búfalo, optaram por trabalhar para a Executive Outcomes. "Trabalhámos para os Estados que pediam o serviço a esta companhia", conta Arlécio da Costa, na presença de outros cinco elementos do ex-batalhão Búfalo e autores do golpe. "Estivemos a pedido do Governo de Angola, porque havia necessidade de se fazer uma reforma do Exército. A minha área era de treinos militares e da polícia. Era a experiência de que o Governo do MPLA precisava para as suas forças". Foi entre 1995 e 1996. "Depois fomos para a Serra Leoa e para o Congo [ex-Zaire], sempre a pedido dos governos que solicitavam os serviços à Executive Outcomes".

Combateram ao lado do MPLA, depois das circunstâncias os terem nos anos 80, juntado à UNITA na frente sul-africana contra o regime angolano.

Foi quando começou o treino militar na Namíbia, numa zona do Caprivi, onde abundavam os búfalos. E por isso o batalhão 32 passou a ser batalhão "Búfalo".

Dos membros são-tomenses do grupo, 23 permanecem na África do Sul. Os 14 elementos, que estão em São Tomé, foram amnistiados pela sua participação no golpe. Exigiram a participação na mediação da África do Sul para a salvaguarda dos seus interesses. No acordo, viram garantida "a sua integração plena na vida nacional".

"As pessoas têm que saber porque é que nós somos os búfalos. Foi por causa de uma situação política que se vivia no nosso país e contra a qual nós éramos contra", diz Arlécio da Costa em nome do grupo. Mas tem consciência de que são indesejados em São Tomé por um passado inglório, por muitos considerado criminoso.

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